Não bastasse o atraso na compra das vacinas para o Brasil e na divulgação de um cronograma detalhado sobre a campanha de vacinação, o país, paralelamente, enfrenta uma absurda politização dos imunizantes. Na esteira da disputa política entre o presidente Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Dória, pelo protagonismo das campanhas de vacinação, o povo brasileiro tem se revelado cada vez mais resistente a vacinar-se. Pesquisa recente do Datafolha revela que o número de brasileiros que não querem ser vacinados contra Covid-19 saltou de 8%, em agosto passado, para 22%, na segunda semana de dezembro.
A vacina que gera mais resistência por parte da população é a Coronavac, da China. Pelo fato do vírus supostamente ter surgido na China, há uma parte da população que simplesmente não confia na vacina produzida no mesmo país em que teria se originado o vírus. Outro fator é por a China ser governada por uma ditadura, um regime de governo bastante fechado, com rígido controle da informação, gerando mais desconfianças quanto à segurança dos imunizantes.
Movimento antivacinação
Soma-se a isso o já crescente movimento antivacinação, um fenômeno a nível mundial, no qual se defende ideias totalmente anticientíficas, a exemplo de que vacinas causariam autismo em crianças e várias outras doenças em adultos. Para agravar mais a tragédia, pipocam na internet teorias da conspiração relacionadas à Nova Ordem Mundial, onde se coloca a iminente formação de um governo mundial de viés esquerdista-globalista que teria o intuito de implantar o comunismo no mundo inteiro. De acordo com essa teoria, diversas medidas estariam sendo preparadas para implantação da Nova Ordem Mundial, a exemplo de um grande reset no sistema financeiro (um reinício com novo padrão de funcionamento), a implantação da internet 5G, e, pasmem, sucessivas campanhas de vacinação em massa em todos os países, entre outras medidas globais. A aplicação das vacinas contra Covid-19 seria o início dessa implantação.
Teorias da Conspiração
É de cair o queixo verificar a quantidade de pessoas que acredita nessas teorias da conspiração, bem como aderem a movimentos antivacinas, mesmo com todo acesso a informação de qualidade existente nos meios de comunicação e na própria internet. Porém, paradoxalmente, a quantidade de informação disponível nos dias atuais parece estar sendo contraproducente. Muitos não estão sabendo selecionar, revelam-se bastante confusos em discernimento. Buscam justamente “informação” de baixa qualidade, optando por sensacionalismo, fake news, teorias estapafúrdias de uma conspiração do “mal” contra o “bem”, e outras “historinhas da carochinha” a entreter pessoas de todas as idades, classes sociais e graus de instrução. Não se tocam que muitos vídeos no Youtube, por exemplo, estão meramente interessados em likes, inscritos e views, e que, quanto mais populares, maiores são os rendimentos financeiros do responsável pelo conteúdo.
Paradoxo da Era da Informação
O que estaria levando tantas pessoas de origens diferentes a acreditar em fake news, teorias da conspiração e em histórias fantasiosas que mais parecem saídas de filmes “b” de ficção científica? É estarrecedor que numa era em que o acesso ao mundo digital esteja sendo ampliado sobremaneira, e em que a internet esteja disponibilizando cada vez mais conteúdos relevantes e de qualidade, uma parte da população mundial esteja optando, sendo mais atraída, por teorias da conspiração e fake news do que por informação séria e de credibilidade. É com muita tristeza que se percebe que o ser humano tem andado mais perdido do que nunca ao avaliar conteúdos informativos, sem discernimento do que é verdadeiro ou falso na web. Desconfio que a sensação dessas pessoas é de um imenso prazer em estarem “descobrindo segredos ocultos”, jamais revelados por meios oficiais, e por consequência, sentem-se mais bem informadas e sábias que as massas dependentes dos meios de comunicação tradicionais. Vejo muitos referindo-se a si mesmos e aos grupelhos virtuais a que pertencem como os “despertos”, “os fora da Matrix”, aqueles que sabem mais que o restante da humanidade. E quem não gosta de se sentir detentor de informações “privilegiadas”? Se esse hobby esquisito fosse quase inofensivo, apenas uma distração a entediados com o noticiário comum e o cotidiano nem tão extraordinário, e só fizesse mal à saúde mental de seus adeptos, obcecados e paranoicos que vivem a tentarem livrar-se da influência de “governos ocultos”, de “illuminatis” e de “reptilianos” e outras bizarrices conspiratórias, já seria preocupante.
Porém, o problema tem tomado proporções mais amplas e objetivas no mundo real, a exemplo do que tem acontecido nesta pandemia com as vacinas contra a Covid-19. E o fenômeno, por incrível que pareça, não se restringe ao Brasil. A politização das vacinas protagonizada pelo presidente Bolsonaro e João Dória é apenas a ponta do iceberg, aqui no nosso país. Mas, vejam só, nos EUA, o percentual da população que alega não querer vacinar-se contra a Covid-19 é maior ainda que no Brasil: cerca de 40%.Um cenário desastroso, trágico, quando se considera a gravidade da pandemia a nível mundial e se sabe que somente com a vacinação em massa a circulação do vírus poderá diminuir expressivamente ou, até, mesmo, desaparecer.
Sensacionalismo
Acredito que tudo isso tem base num fator que pode ser resumido a uma simples palavrinha: preguiça. É muito mais fácil fiar-se num escandaloso e assustador vídeo sobre teorias da conspiração e falsas informações pseudocientíficas do que se dar ao trabalho de pesquisar estudos científicos sérios, ouvir médicos e cientistas renomados, muitas dessas informações já disponíveis na internet. A linguagem científica normalmente é difícil a leigos, até, incompreensível, o que dificulta o interesse das massas por esse tipo de publicação. A descrença na “tradução” das informações para a linguagem coloquial feita pela grande mídia é outro entrave. Tais adeptos dessas maluquices simplesmente não confiam na grande mídia. E não confiam justamente porque essas teorias conspiratórias e fake news costumam alegar que a grande mídia faz parte da conspiração, também estaria do lado do “mal”. Olha o tamanho da encrenca…
A razão passa longe
Num tempo em que a ridícula Teoria da Terra Plana tem ganhado visibilidade e adeptos, em que tantos não acreditam que o homem foi à lua, é congruente que haja quem não acredite na eficácia das vacinas e prefiram acreditar em teorias da conspiração das mais estapafúrdias, entre elas, uma que chega ao extremo de defender que haveria implante de chip de controle secretamente inserido no corpo humano através das vacinas. Outros apostam que as vacinas contra a Covid-19 vêm para causar redução populacional, matando ou causando infertilidade. Ora, ora, se fosse para matar o povo, a fim de reduzir a população mundial, não seria muito mais fácil, rápido e certeiro não criar vacina alguma e deixar o novo coronavírus correr solto matando mais ainda? Bem como encerrar todas as campanhas de vacinação contra outras doenças? Realmente, há de tudo nessas teorias e fake news, menos um mínimo de racionalidade. Quem pode lutar contra tanta ignorância e insanidade coletiva? Creio que só a partir de mais livros e menos, muito menos, internet.