terça-feira, 14 de maio de 2024
“Masturbação” coletiva em competição esportiva revela normalização da “cultura do estupro”

Vanessa Martins de Souza

Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

“Masturbação” coletiva em competição esportiva revela normalização da “cultura do estupro”

Os vídeos viralizados na internet, no último final de semana, com imagens de estudantes de Medicina da Unisa (Universidade Santo Amaro) exibindo os órgãos sexuais durante um jogo de voleibol feminino, resultaram na expulsão, pela instituição, de seis alunos envolvidos, até o momento. Mas, não se pode deixar de mencionar que as cenas aconteceram há meses, entre final de abril e maio passados. Porém, só foram postadas na internet, no último final de semana, ganhando a atenção da imprensa, que fomentou muitos debates e comentários.

Naturalmente, o Ministério da Educação, ao tomar conhecimento pela imprensa, enviou notificação à Unisa para que tomasse providências. Ou seja, se o caso não viesse à público, chamando a atenção do país inteiro por meio da imprensa, nenhuma providência teria sido tomada pela Universidade.

Omissão da Unisa

É lamentável verificar que somente sob forte pressão da imprensa e do Ministério da Educação houve alguma atitude por parte da direção da Unisa. Quer dizer… As grotescas cenas já haviam acontecido há meses e ninguém, entre os dirigentes da Universidade, havia se posicionado? A percepção é a de que esse tipo de comportamento é normalizado pela instituição. Ao menos, possivelmente, haja uma postura de “fazer vista grossa” ao comportamento vexatório, inaceitável, dos alunos. Não fosse uma aluna, depois de meses, decidir soltar as imagens na internet, tudo teria passado “batido” no que se refere a alguma providência como punições ou repreensões.

Normalização

É espantoso pensar que a grande probabilidade é a de que comportamentos como esse estejam normalizados na referida instituição de ensino, por sinal, bastante renomada, com 55 anos de tradição. As cenas não aconteceram dentro da Unisa, mas em um campeonato na cidade de São Carlos, quando ocorriam competições com outras instituições universitárias.

Receio na sociedade

Sob os holofotes da imprensa, o caso gerou muita indignação na sociedade. Entre os comentários mais populares na internet, destacou-se o receio causado à sociedade de contar com futuros médicos abusadores e estupradores em potencial. E obviamente com futuros médicos sem noções de ética e maturidade moral e emocional para exercer uma profissão tão difícil e de responsabilidade como é a Medicina. Realmente, não há desculpas e justificativas para comportamento tão escroto, abjeto, senão, a falta de respeito pelo gênero feminino, a objetificação da mulher.

Expulsão dos alunos

O ministro da Educação, Camilo Santana, achou pouco a expulsão dos alunos. Defendeu a responsabilização legal dos estudantes. A polícia abriu uma investigação para apurar crime de ato obsceno. Cenas como essas não devem ser normalizadas, por mais que sejam comuns nos jogos universitários e no ambiente das universidades, em geral. O modo mais eficaz de transmitir a mensagem de que comportamentos semelhantes são inaceitáveis a uma sociedade dita civilizada é a responsabilização legal.

“Cultura do estupro”

Acredito que campanhas contra a “cultura do estupro” só se revelam eficazes quando acompanhadas de punições legais e criminais. Por mais que os envolvidos neguem que tenham se masturbado em público, é inegável que, de forma simulada ou não, tais atos obscenos são resultantes de uma cultura em que normaliza esse tipo de comportamento masculino diante da presença feminina. Se não houver punição, se não houver nenhuma retaliação, a mensagem que se transmite é a de que é “ok” passar de todos os limites quando se trata de homens heterossexuais diante de mulheres e meninas.

Política de “tolerância zero”

Uma política de “tolerância zero“ a esse comportamento é o que deve ser normalizada. De resto, o mais lamentável é a omissão e hipocrisia da Unisa. Sem o escândalo nacional, nada teria sido feito. E, assim, haveria mais uma oportunidade para a sociedade fazer “vista grossa” a tantos abusos e desrespeito às mulheres. É assim, com omissão e normalização, que a sociedade vai tolerando médicos e tantos outros profissionais que cometem abuso sexual ou estupro. É assim, com “vista grossa”, que vamos considerando “aceitáveis“ tantos comportamentos repulsivos e desrespeitosos na relações públicas e privadas envolvendo homens heterossexuais e mulheres.

Comportamentos ancestrais

Combater a contento a “cultura do estupro” não acontece de uma hora para outra, uma vez que remete a séculos de vigência, tem origem ancestral. Quando se fala em “cultura do estupro”, muitos homens heterossexuais ofendem-se, sentem -se pessoalmente atingidos, acusados injustamente, alegando que não são e nunca serão estupradores. E que os homens, em geral, não são estupradores em potencial. Contudo, não se trata de acusações de gênero. Muito menos, pessoais. Trata-se de uma referência a uma cultura que encontra desculpas e justificativas para aqueles que cometem estupro e abuso sexual. E até estimula comportamentos desrespeitosos e abusivos. Há mulheres, inclusive, que contribuem para a perpetuação da “cultura do estupro”, também. Quando enxergam a vítima como culpada, responsável, ou co-responsável, pelo crime sofrido, isso é contribuir para a “cultura do estupro”. “Ela estava com saia curta”. “Pudera, ela se insinuou”. ”É uma vagabunda, mesmo”. Ou culpa-se o excesso de testosterona nos homens. “São jovens cheios de testosterona, não conseguem controlar seus impulsos sexuais”. “Isso é coisa de homem, nada demais, é brincadeira“. São essas interpretações equivocadas que reforçam comportamentos abusivos e que precisam ser esclarecidas e modificadas. Combatidas com educação, repreensões e punições.

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