terça-feira, 21 de maio de 2024
Decisão do STF fecha o cerco contra a liberdade de imprensa

Vanessa Martins de Souza

Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

Decisão do STF fecha o cerco contra a liberdade de imprensa

As decisões do STF não têm dado sossego ao país. Desta vez, a vítima foi a própria imprensa, que, de modo geral, tanto tem apoiado as decisões da Suprema Corte. Porém, o STF decidiu pesar a mão, também, contra as atividades de jornalismo. O plenário do Supremo acatou a tese do ministro Alexandre de Moraes que permite a responsabilização civil de veículos de imprensa por declarações dadas por entrevistados. Em português bastante claro, aquelas declarações em que o jornalista recorre às aspas, para apontar que se trata de uma fala não necessariamente corroborada pela reportagem, mas, tão somente, uma informação que parte somente do entrevistado. A decisão do Supremo refere-se a declarações envolvendo calúnia, difamação, mentiras que ferem a honra de terceiros.

Reação da imprensa

Para citar um exemplo, se um veículo de imprensa entrevista um político que acusa outro de “ladrão” e este for comprovadamente honesto, o referido veículo pode responder na justiça, sendo penalizado com pagamento de indenização, por colaborar com a disseminação de uma informação falsa que fere a honra da vítima. A decisão do STF não foi bem recebida pela grande imprensa. Grandes jornais como, O Globo, Estadão, e Folha de São Paulo, posicionaram-se contrários a uma medida que consideram restritiva à atividade jornalística, intimidante, para dizer o mínimo.

“Paradigma ruim”

Para o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) Marcelo Rech, a decisão judicial partiu de um paradigma ruim. Segundo ele, o caso examinado pela Justiça ocorreu em um contexto diferente do atual, e determinar uma tese de repercussão geral com base nessas circunstâncias é uma tarefa complexa. Rech argumentou que o caso examinado pelo Supremo aconteceu em um jornal com recursos limitados, numa época sem internet. A decisão da Corte teve início com um pedido de indenização feito pelo ex-deputado Ricardo Zarattini Filho, do PT, hoje falecido, contra o jornal Diário de Pernambuco por uma entrevista feita em 1995, na qual o também falecido delegado Wandenkolk Wanderley acusou Zarattini de envolvimento no atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes, em 1966. A defesa de Zarattini contestou a veracidade da informação e saiu vitoriosa nas instâncias superiores. Após o pedido de indenização, Wanderley negou ter acusado o ex-deputado de envolvimento no atentado. Devido à ausência da fita contendo a gravação da entrevista, o jornal se tornou o único alvo do processo movido na esfera civil. “O paradigma que iniciou essa discussão não é um bom paradigma. O jornal também cometeu equívocos, mas vamos lembrar que é 1995, um pequeno jornal de Recife. As redações reutilizavam as fitas cassete das entrevistas”, conta o presidente da ANJ. “É uma situação complexa, e definir uma tese de repercussão geral, num caso desses, com implicações enormes na vida dos veículos [é complexo]”, disse.

Preocupação da ANJ

Na quarta-feira, 29, a ANJ emitiu uma nota em que demonstra preocupação em relação à decisão do Supremo. No texto, a entidade reconhece que a tese fixada pelo STF “foi um avanço positivo diante da grave ameaça à liberdade de imprensa que pairava no julgamento”. Porém, a ANJ afirma que ainda “há dúvidas sobre como podem vir a ser interpretados juridicamente os citados ‘indícios concretos de falsidade’ e a extensão do chamado ‘dever de cuidado’”.

Associação Internacional de Radiodifusão

O presidente da Associação Internacional de Radiodifusão (AIR), Paulo Tonet Camargo, partilha da visão da ANJ em relação à decisão do STF. “Em relação à tese anterior, que vinha sendo plasmada no Supremo, houve uma significativa mudança: a decisão saiu de uma responsabilidade absoluta do veículo para uma situação de dolo. Ainda não dá para saber a extensão dessa modificação, enquanto o acórdão não for divulgado”, afirmou.

Publicação do acórdão da decisão

Tanto Tonet como Rech afirmam que as incertezas sobre a decisão devem ser respondidas com a publicação do acórdão da decisão, que está sob a responsabilidade do ministro Edson Fachin. Considero prudente aguardar a publicação do acórdão a fim de mais esclarecimentos sobre a amplitude dessa decisão judicial. Mas, a julgar pela reação da grande imprensa, o Supremo realmente termina por, no mínimo, constranger a atividade jornalística. Veículos e jornalistas pensarão mil vezes antes de publicar matérias ou criar manchetes envolvendo denúncias e acusações de entrevistados, de suas fontes, enfim. Ora, seria sensato pensar que quem tem obrigação de comprovar inocência seria o Poder Judiciário, não, a imprensa. À imprensa cabe o papel de reportar fatos, informações, ideias e opiniões. Enfatizando-se o jornalismo investigativo, frisemos, e sempre concedendo espaço para ouvir todas as partes citadas na reportagem. Mas, quem deve avaliar e julgar se fulano ou cicrano é inocente de uma acusação, ou não, é a justiça. E à imprensa não é razoável que aguarde a morosidade da justiça para publicar algo relevante para a sociedade.

Denúncias e reportagens investigativas

Se transportássemos essa situação atual para os tempos de denúncias da Lava-Jato, ou dos escândalos do governo Collor, em que saia-justa estaria a imprensa, caro leitor… A denúncia do irmão do então presidente Fernando Collor, o falecido Pedro Collor, que contou tudo à Veja, à época do escândalo envolvendo PC Farias, inclusive, teria sido publicada pela influente revista? Editores, chefes de redação, diretores de jornalismo, teriam, no mínimo, titubeado muito, ao publicar. Pois, vai que seria tudo mentira caluniosa contra o então presidente Fernando Collor… Vai que a justiça o inocenta… O ministro Barroso nega que se trate de censura prévia à imprensa. Contudo, é no mínimo, constrangedora, restritiva, essa tentativa de cerceamento ao trabalho da imprensa. E creio que a grande pergunta extraída desta decisão judicial é: “Quem deverá definir o que é verdade ou mentira sobre uma denúncia ou acusação?” Considerando-se que muitas dessas decisões sobre a honestidade de um acusado no meio político partem do próprio STF, é bastante constrangedor depender de uma “chancela” da Suprema Corte para sentir-se à vontade para atuar dentro do que o mundo democrático define como imprensa livre.

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