Diz o velho ditado que “não se deve bater palmas para maluco dançar”. Pois, é. Estão batendo palmas e vejamos o que está acontecendo com a moda dos “bebês” reborn. O fenômeno das “mães” de “bebês” reborn – bonecas hiperrealistas feitas artesanalmente para ganharem aparência a mais próxima possível de um bebê real – já tem motivado a elaboração de projetos de lei referentes.
O primeiro que se teve notícia foi a aprovação do Dia da Cegonha Reborn, na Assembleia do Estado do Rio de Janeiro. O deputado Vitor Hugo (MDB-RJ) disse que elaborou o projeto a pedido de um grupo de “mães” de “bebês” reborn.
Saúde mental
Mas a questão é que a dedicação ao assunto não parou por aí, na Assembleia do Rio. O deputado Rodrigo Amorim, mais recentemente, apresentou à Casa de Leis um projeto de criação de programa de saúde mental para pessoas que se consideram “pais” e “mães” de “bebês” reborn visando acolhimento e prevenção de transtornos mentais pelo uso e apego emocional excessivo aos bonecos hiperrealistas como um mecanismo de fuga da realidade. Quer dizer, enquanto um deputado incentiva e apoia o fenômeno que já virou uma “febre” nacional, vem outro, e busca alertar para os males que as bonecas podem causar a quem apresenta tendências para manifestar transtornos mentais.
Modismo, hobby ou doença?
Mas será que a preocupação do deputado quanto a saúde mental das “mães” das bonecas seria justificável em termos de saúde pública ou apenas possam já existir alguns casos isolados? Obviamente, como todo fenômeno recente, só o tempo dirá, afinal, sequer, existem dados sobre possíveis transtornos mentais relacionados ao uso dessas bonecas.
Ferramenta terapêutica questionável
Os “bebês” reborn são comprados por diversas motivações, desde um simples hobby de colecionador, ou um desejo de consumo por um objeto de luxo da moda (os preços das bonecas variam de R$300 a R$10 mil), o desejo de pertencer a uma “tribo” a até como ferramenta de suporte terapêutico a pessoas em tratamento de transtornos mentais. Muito embora, a real ajuda que o uso de “bebês“ reborn possa oferecer seja questionável do ponto de vista de alguns profissionais de saúde mental.
Indústria e lucros
Mas há um outro viés mais pertinente relacionado a esse impressionante fenômeno. A indústria que está por detrás desse modismo, dessa mania, dessa “febre” por essa bonecas. O processo de fabricação dos “bebês” reborn é bastante artesanal, de valor artístico louvável, e não há problema algum numa sociedade capitalista visar-se o lucro com a venda de tais bonecas, as roupinhas, os acessórios.
Nicho digital
Porém, não são, apenas, os fabricantes que estão faturando com essa moda. Influenciadores digitais já encontraram um nicho muito interessante de engajamento nas redes sociais e, assim, ganharem dinheiro com vídeos em que aparecem “cuidando” dos “bebês“ reborn, dando banho, papinha e até a simulação de um “parto”. Tudo de brincadeira, claro. Mas é perceptível o quanto tais influenciadores têm incentivado seguidores a embarcarem na fantasia ao ponto de beirar a loucura.
“Bebê” reborn com “febre”
Um caso extremo aconteceu em Minas Gerais, onde uma influenciadora teve a cara de pau de chegar a uma Unidade de Saúde buscando atendimento para seu “bebê“ reborn alegando a presença de “febre” na boneca. O mais absurdo foi ela ter conseguido adentrar as dependências da Unidade de Saúde e filmar a boneca sendo pesada na balança. Tudo com a permissão de uma enfermeira que supostamente teria entrado na brincadeira. O episódio motivou o deputado estadual Cristiano Caporezzo a protocolar projeto de lei para proibir que donos de tais “bebês” levem-nos a Unidades de Saúde e hospitais públicos para receberem atendimentos. O projeto prevê cobrança de multa e os valores deverão ser destinados a programas de saúde mental no estado de Minas Gerais.
Influência das redes sociais
O projeto do deputado mineiro é verdadeiramente pertinente ao momento. Pois, como se costuma dizer: ”se essa moda pega”… Cientes que estamos do poder de influência das redes sociais e seus ditos influenciadores digitais sobre o comportamento humano, em especial, dos mais jovens, é motivo de uma certa preocupação, realmente.Inclusive, quanto ao comportamento de profissionais de saúde pública que eventualmente queiram embarcar numa brincadeira que beira a loucura e o escárnio, permitindo gravações e o uso das instalações de equipamentos públicos para uma finalidade tão absurda, ridícula e desrespeitosa com o usuário do SUS.
Cara de pau
Tudo leva a crer que, neste caso de Minas Gerais, a “mãe” de bebê reborn de maluca, não tem nada. Mais uma influenciadora que busca faturar com a nova “febre“ e conta com cara de pau de sobra para chegar a uma Unidade de Saúde e fazer um “papelão“ como esse. E ainda com a colaboração de uma enfermeira, ao que tudo indica, segundo as reportagens.
“Guarda“ de “bebê” reborn
Acredito que, enquanto as “mães” de “bebês” reborn não estiverem rasgando dinheiro, não há motivo para preocupações quanto a saúde mental. Uma outra notícia sobre o tema ganhou notoriedade por se tratar de uma tentativa de envolvimento do Poder Judiciário. Uma advogada gravou um vídeo nas redes sociais contando que foi procurada por uma cliente querendo disputar a “guarda” de seu “bebê” reborn com o ex-marido. O ex-casal estaria brigando pela “tutela” da boneca, segundo ela, devido a “um grande apego emocional” de ambos. De início, é possível supor que se trata realmente de manifestação de algum transtorno mental. Mas quando a advogada continua a contar a história, descobre-se que o casal detém um perfil nas redes sociais sobre a boneca. Um perfil monetizado. Ou seja, o casal encontrou uma fonte de renda a partir da produção de vídeos com a boneca. E agora está disputando quem tem direito a administrar a conta no Instagram. A ex-esposa também quer exigir do ex-marido que ele arque com parte das despesas que ela teve com o “bebê” reborn, desde a compra da boneca, de roupas, artigos e acessórios, enfim, ficou claro que se trata de uma briga “normal“ por questões financeiras. A advogada disse não poder atender um caso tão inédito e levantou um debate sobre Direito Digital relacionado a situações semelhantes envolvendo ”bebês” reborn que possam chegar aos escritórios jurídicos.
Fenômeno das redes sociais
Este fenômeno dos “bebês“ reborn é ainda recente, embora, a moda já tenha surgido nos anos 90. Contudo, a diferença é que agora temos as redes sociais, que amplificam e potencializam tudo. As redes sociais têm o poder de atingir a massa populacional de forma muito intensa e rápida. Sem as redes sociais, seria quase impossível chegarmos a este estado de quase uma distopia social onde, em alguns casos, já não se sabe ao certo até que ponto gostar e brincar com tais bonecas é algo saudável e inofensivo ou sinal de algum transtorno.
Interesses comerciais
Por enquanto, só há uma certeza. Há muita gente ganhando dinheiro com isso. É um comércio como outro qualquer e quanto mais pessoas interessadas e engajadas no tema, maior a lucratividade. Para as gerações mais jovens, que cresceram já conectadas a internet, o peso que as redes sociais exercem no comportamento e cultura, é muito maior. Mas pessoas mais velhas também não escapam da influência das tendências e de tudo que está “no hype” nas redes sociais. A imprensa, de modo geral, tem colaborado com a “febre” dando palco para o “teatro” das “mães”, das “maternidades reborn”, sempre em tom acrítico e condescendente. Não demora e chegará o dia em que ninguém mais poderá rir ou debochar de “mães“ reborn chamando-as de “malucas”, por exemplo, sob pena de ser acusado de preconceituoso, de fazer bullying. Se realmente o caso for de transtorno mental, e não, apenas, um hobby ou vontade de aparecer e lacrar nas redes sociais, e de quebra, monetizar o perfil, é motivo de busca de ajuda de um profissional de saúde mental. Porém, há loucuras que são incentivadas pela mídia, pelas redes sociais, pelo mercado e por toda uma sociedade que caminha para uma distopia, como bem colocou o deputado mineiro criador do projeto de lei que criminaliza o uso de equipamentos públicos de saúde para uma finalidade tão insana e desrespeitosa.