No dia 22, quarta-feira, o Senado Federal deu uma grande demonstração de que a política realmente é uma “caixinha de surpresas”. A Casa aprovou, com ampla maioria, 52 a 18 votos, a PEC – Proposta de Emenda Constitucional que limita os poderes do STF proibindo decisões monocráticas (de um único ministro)sobre legislação, atos normativos do presidente da República, do presidente do Senado e do presidente da Câmara, e portarias. Decisões sobre constitucionalidade de leis aprovadas no Congresso Nacional, por exemplo, só podem ser tomadas por um colegiado de ministros, de acordo com a PEC.
Voto favorável de líder petista
A grande surpresa foi a votação expressiva de senadores da base aliada do governo a uma proposição defendida pela oposição, mais especificamente, por bolsonaristas. E, pasmem, até o petista líder do governo no Senado, Jacques Wagner, votou a favor da PEC. A notícia de que um petista, e ainda líder do governo Lula na Casa, votou com bolsonaristas, pegou a todos de surpresa. Analistas debruçando-se sobre a postura inusitada do baiano petista, a fim de entender suas motivações, não faltaram ao longo do dia seguinte a votação.
Agrado a Pacheco
Uma hipótese ventilada é a de que Lula quer agradar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a fim de que o senador leve o Centrão definitivamente para a base aliada, uma vez que andava debandeando-se para a oposição. E Pacheco encontra-se numa disputa interna pela eleição da Mesa Diretora e Presidência do Senado, em eleição a ser realizada em fevereiro do ano que vem. Pacheco teria interesse em aprovar a PEC, pois, esta restabelece o poder institucional do Senado que vem sendo usurpado pelo STF.
Indignação de esquerdistas
Notórios porta-vozes da esquerda como, Lindbergh Farias, a deputada federal Gleisi Hoffmann e o senador Randolfe Rodrigues estão indignados com Jacques Wagner. O senador baiano diz que sua decisão foi individual. Mas, quem acredita que um líder do governo Lula tomaria uma decisão individual sem o aval do presidente petista? Wagner é extremamente próximo a Lula, uma questão de amizade pessoal, mesmo. Já ocupou diversos ministérios em governo petista anterior. Definitivamente, não dá para acreditar que Lula não sabia de nada, novamente. Que o senador baiano tenha feito uma opção de voto pessoal sem o consentimento do presidente da República não conta com o mínimo cabimento.
Disputa por vácuos de poder
O que estaria por detrás de um suposto apoio velado de Lula a essa PEC nascida no berço do bolsonarismo? A hipótese mais plausível está relacionada a uma disputa de ocupação de poder entre as instituições. Que governo seria capaz de tolerar tamanha usurpação de poder sem ficar incomodado? O STF praticamente vem governando o país, tomando as decisões mais relevantes. Esse protagonismo do Poder Judiciário não é bom para nenhum presidente da República. Lula sente que sabe lidar com os embates no Congresso, mas, em relação ao STF, não pode fazer nada se ceder poder demais à Suprema Corte. Uma hora,o jogo pode virar contra o PT… Não é prudente entregar tanto poder ao Judiciário. Uma tentativa de recuperação das prerrogativas do presidente da República, direta e indiretamente (via Congresso Nacional), é algo que qualquer chefe de Estado deve buscar. É uma questão de protagonismo político, de ocupação de espaços de poder.
Ministros furiosos
Os ministros do STF estão furiosos com os senadores favoráveis a PEC. Classificaram de “ameaça”, de “rasteira passada”, de “traição”, de “intimidação”. O clima pegou fogo, mesmo. E o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ficou igualmente indignado em relação a tentativas de politização da PEC. Deixou bem claro em pronunciamento a imprensa que se trata de uma PEC de natureza puramente técnica onde o objetivo é garantir o cumprimento da Constituição Federal que determina a obrigatoriedade de decisões por colegiado de ministros do STF no tocante, por exemplo, a julgamentos sobre inconstitucionalidade de leis.
Crise entre os três poderes
O fato mais relevante, evidentemente, é o voto favorável do petista líder do Governo no Senado. O voto do senador baiano, petista histórico, arrasta o Poder Executivo, a Presidência da República, mais, especificamente, para o meio de uma briga que havia começado apenas entre parlamentares bolsonaristas e o STF. A disputa cresceu a tal ponto que arrastou os três poderes para o centro de uma crise institucional sem precedentes. A conferir os próximos desdobramentos, que poderão ser muitos. O STF já pediu a cabeça de Jacques Wagner. Quer a renúncia a liderança do governo. O Planalto tem negado retirá-lo desta importante função no Senado. Se o senador baiano não for retirado da liderança pelo presidente da República, não haverá mais dúvidas de que Lula endossou o voto favorável a PEC por interesses que podem se revelar, futuramente.