segunda-feira, 20 de maio de 2024
STF libera ensino de linguagem neutra nas escolas do país do analfabetismo funcional

Vanessa Martins de Souza

Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

STF libera ensino de linguagem neutra nas escolas do país do analfabetismo funcional

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para decisão que libera o ensino da linguagem neutra nas escolas, proibindo estados e municípios de legislarem sobre o tema. O entendimento da Suprema Corte é o de que, somente a União, de acordo com a Constituição Federal, pode legislar sobre normas na educação. Com a decisão do STF, perdem a validade legislações estaduais e municipais que proíbam o ensino de linguagem neutra nas escolas, a exemplo de lei estadual no Paraná, sancionada em janeiro de 2023.

Leis inconstitucionais

A ação julgada pelo STF foi movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino e deve formar jurisprudência, ou seja, formará um entendimento único para a questão. Assim, estados e municípios que já contam com legislações proibindo o ensino da linguagem neutra nas escolas têm tais leis declaradas inconstitucionais.

Debate raso

É lamentável que um tema tão pontual, raso e irrisório como esse tenha sido levado a julgamento na mais alta Corte Judiciária do país, quando se tem tantos problemas muito mais sérios e graves a superar no ensino brasileiro. No país do semianalfabetismo, do analfabetismo funcional, termos de levar ao debate público discussões sobre se devemos usar “todes” ou “todos“ e “todas“ para mostrar que estamos incluindo todos os gêneros possíveis presentes entre os LGBTQIAP+ deveria soar como algo muito irrelevante. Praticamente, uma piada.

Riqueza da Língua Portuguesa

Afinal, nossa língua portuguesa é extremamente complexa, sendo um tanto raro encontrar alguém que já a tenha usado sem cometer alguns pequenos erros, ao menos. E haveria tanto a ensinar e aprender sobre ela… O que dizer de quem ainda confunde a colocação de pronomes como “me” e “mim”? Nas redes sociais, vemos o quanto as novas gerações já não distinguem mais essas duas formas pronominais, sendo comum darmos de cara com o famoso “mim adicione, por favor”, ou “já mim inscrevi no canal”. É triste verificar que os referidos erros, muitas vezes, partem de usuários com Ensino Médio completo ou, até, mesmo, Ensino Superior. Mas, a discussão “relevante” para a esquerda é o ensino da linguagem neutra para ensinar a todos, ou melhor, a “todes”, que não há preconceito e que estamos incluindo todos os gêneros em nossa comunicação.

Precariedade do ensino

Num país onde faltam, ainda, carteiras e materiais básicos em tantas escolas; onde professores ainda apanham da polícia por reivindicações de melhores salários e condições de trabalho; onde as dificuldades de interpretação de texto atingem, até, mesmo, os graduados em ensino superior e em que se desvia dinheiro inclusive da merenda nas escolas públicas, estarmos perdendo tanto tempo e energia com debates sobre uma linguagem neutra supostamente inclusiva que deverá mais excluir do que incluir é de causar indignação. Os nossos ”togados” lá de Brasília deveriam perguntar às pessoas das periferias, das comunidades, se elas estão interessadas em falar ou escrever “elus”, por exemplo, no lugar de “eles” e “elas”. Se o povão, mesmo, quer mudar seu jeito de falar só porque as escolas passaram a ensinar de um jeito diferente do que todo mundo fala para mostrar que há inclusão em nossa linguagem. Essa “moda” não pega para além das elites sociais e intelectuais mais engajadas em ativismo.

Língua viva e dinâmica

A realidade é que nossa língua, naturalmente, é dinâmica, fluida, apresentando modificações ao longo do tempo. Há palavras e expressões novas surgindo de tempos em tempos. Outras, sendo abolidas, ou saindo de moda, paralelamente. Mas, tudo isso tem acontecido de forma muito natural, espontânea, num processo absolutamente orgânico. Ou seja, essas modificações, transformações da nossa língua, costumam acontecer como um processo que surge do próprio povo. Não se dá por decreto. Não acontece como uma imposição de cima para baixo, das autoridades para o povo. Tampouco, são ensinadas nas escolas antes de passarem a ser faladas. Ao contrário, somente depois que as modificações passaram a fazer parte da linguagem coloquial é que passam a ser ensinadas.

Artificialismo

Então, essa polêmica toda em torno da linguagem neutra é uma das discussões mais medíocres e rasas já vistas. Não será pressionando as pessoas a usá-la que será aderida, facilmente. Ao contrário, a tendência será a resistência de uma maioria que não é identificada com a ideologia de esquerda. E somente uma turminha de esquerdistas de redes sociais, muitos deles, influenciadores digitais, é que já tem aderido. Muito mais como uma forma de afirmação de uma ideologia do que de demonstração de um genuíno desejo de inclusão. Pois, respeito às diferenças de gênero costuma-se demonstrar com atitudes, ações, projetos e programas governamentais que realmente garantam a inclusão. Não é através de palavras que vamos assegurar inclusão.

Desconstrução da linguagem

Desconstruir a linguagem, a nossa bela e perfeita língua portuguesa, tão complexa e rica, em nome de uma suposta inclusão, parece servir a um propósito que não tem nada a ver com demonstração de empatia e respeito a todos os gêneros. Mas, sim, com uma tentativa de reafirmação de uma hegemonia ideológica que deve contar com, além de seus símbolos, sua própria e específica linguagem como instrumento, até, de propaganda e manipulação.

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