A operação Contragolpe, da Polícia Federal, que prendeu, preventivamente, quatro militares de alta patente e um policial federal enterrou, em definitivo, qualquer possibilidade de aprovação de anistia aos presos políticos do 8 de janeiro e de reversão da inelegibilidade de Jair Messias Bolsonaro para as eleições de 2026.
O relatório da Polícia Federal aponta para graves acusações contra os presos, incluindo formação de organização criminosa para dar um golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e, até, um plano para matar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, em 15 de dezembro de 2022.
Bolsonaro não sabia de nada?
Mas e o quê Bolsonaro teria com isso? – perguntariam os incautos. De acordo com as investigações, o próprio então presidente Bolsonaro teria autorizado a execução de um golpe de Estado até 31 de dezembro de 2022. O general da reserva Mário Fernandes, um dos presos na operação, e que era integrante do alto escalão do governo passado, teria afirmado em conversa com o ex-ajudante de Ordens do então presidente da República, tenente-coronel Mauro Cid, que Bolsonaro teria autorizado o golpe até o último dia de seu mandato. Bolsonaro teria dito que a diplomação de Lula, em 12 de dezembro, não impediria ações golpistas. O relatório revela, ainda, que Fernandes teria atuado diretamente com forças do agronegócio e com caminhoneiros em acampamentos no QG do Exército. Inclusive, há vídeo da época, disponível na internet, em que é possível ver o general Mário Fernandes conversando com acampados e dizendo-lhes para “não perderem as esperanças”. Ou seja, torna-se muito difícil defender a inocência do general, que era membro do governo Bolsonaro, no incentivo e apoio aos acampamentos e todo o levante popular contra o resultado das eleições presidenciais de 2022. E quanto ao então presidente da República, ele não sabia de nada?
“Cortina de fumaça“
A julgar pelas reações nas redes sociais, eleitores bolsonaristas estão inconformados com esta operação da PF, entendida por eles como mais uma perseguição a Bolsonaro. Tem sido difundido por eles o frágil argumento de que a operação seria “cortina de fumaça” para tirar de cena os comentários ofensivos da primeira-dama Janja ao bilionário Elon Musk.
Arquivos deletados e recuperados
Ora, uma operação da Polícia Federal não surge da noite para o dia. Quando é deflagrada sob os holofotes da imprensa é por que já se encontrava em curso, nos bastidores, há meses. A operação Contragolpe é um desdobramento da operação Tempus Veritatis, iniciada em fevereiro passado, para investigar os atos de 8 de janeiro. A Polícia Federal conseguiu recuperar uma série de arquivos deletados em computadores e telefones celulares de investigados como Mauro Cid. Graças a um software de tecnologia israelense que consegue recuperar arquivos que já foram para a lixeira de computadores e celulares.
Foram nestes arquivos deletados que os policiais federais conseguiram achar conversas sobre um plano muito bem detalhado, com cronograma e tudo, para o golpe de Estado e a execução de Lula, Alckmin e Moraes. Uma nova etapa das investigações foi iniciada, então, mais aprofundada, chegando-se mais perto de indícios bastante contundentes de que houve um planejamento muito próximo de sua execução final. O plano ganhou até nome, criado pelos investigados: Punhal Verde e Amarelo.
Cerco a Bolsonaro
O cerco a Bolsonaro fecha-se ainda mais quando o relatório revela que houve uso da impressora do Palácio do Planalto para imprimir o referido plano de ação em cinco etapas. E que Bolsonaro teria redigido, ajustado e “enxugado“ o texto da minuta do golpe.
Pensar e planejar
O senador Flávio Bolsonaro, indignado com a operação, afirma que as investigações não podem incriminar ninguém por supostamente ter-se pensado em matar. “Pensar em matar não é crime. Aliás, quem nunca pensou em matar alguém?” – disse, ao banalizar o teor das investigações. Realmente, apenas pensar, cogitar matar, não se configura crime . Daí a elaborar um plano estratégico para matar, com cronograma de ação, é bastante discutível, conforme juristas vêm se debruçando sobre o tema. De acordo com o relatório, os presos na operação chegaram a etapa de monitoramento dos passos de Alexandre de Moraes e de Lula. Teriam ficado, inclusive, de “tocaia”, na data de 15 de dezembro, quando Moraes teria uma sessão de julgamento no STF, no período da noite. Contudo, a sessão foi adiada, levando o ministro a não percorrer o trajeto esperado de sua casa até o STF. O plano seria “pegar” o ministro durante o trajeto de sua casa até o STF. O grupo, então, teria desistido de executar algo contra o ministro naquele dia por supostamente encontrar mais dificuldades de atacá-lo em sua residência.
Atos preparatórios
Enfim, este é um debate jurídico que divide opiniões. Há quem defenda o argumento de que conversas sobre planos de assassinatos que não foram efetivados não configurariam crime. É preciso que a PF esclareça, em detalhes, até que ponto o tal plano de assassinato saiu do papel. Porém, há maior probabilidade de que os futuros réus sejam condenados por tentativa de golpe de Estado e formação de organização criminosa em razão de existirem indícios muito mais contundentes, com atos preparatórios, inclusive, apontando para o objetivo de empreender uma tomada de poder, a exemplo da redação da minuta do golpe, de planos para instaurar um “gabinete de crise” pós-golpe, de apoio e financiamento aos acampamentos e da criação de todo um ambiente favorável em termos de apoio popular. O golpe militar somente não teria sido efetivado por recusa dos comandos do Exército e da Aeronáutica, segundo os próprios comandantes disseram em depoimento a PF, tempos atrás. Somente o comando da Marinha teria concordado em participar.