terça-feira, 30 de abril de 2024
Relações promíscuas entre grandes empresários e poder público é coisa antiga

João Aloysio Correa Ramos

Diretor dos jornais do Grupo Paraná Comunicação: A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias

Relações promíscuas entre grandes empresários e poder público é coisa antiga

Essa nova etapa da operação Lava Jato, da Polícia Federal, que concedeu mandados de prisão na sexta-feira, dia 14 de novembro, a empresários e diretores de grandes empreiteiras que fizeram contratos com a Petrobrás, coloca em cena uma prática que, muito possivelmente, vem sendo adotada há muitas décadas no país. Afinal, trata-se de empreiteiras que estão entre as maiores do Brasil, que têm enriquecido por conta de contratos milionários com o Governo Federal em sucessivas gestões. Há indícios contundentes que essas práticas de corrupção, de pagamento de propina, de suborno das empresas a quadrilhas instaladas dentro da Petrobrás, e também muito provavelmente em outras estatais, já aconteçam há muitas décadas.

Licitações fraudulentas no Governo Sarney

Um exemplo que dá respaldo a essa suspeita é o furo histórico do jornalista Jânio de Freitas em sua coluna na Folha de São Paulo, na década de 80. O jornalista antecipou com precisão quais seriam as empresas vencedoras da licitação, lote a lote, para a construção da Ferrovia Norte-Sul, no Governo de José Sarney. Incrivelmente, quatro das empreiteiras denunciadas na operação Lava Jatao já foram apontadas por Jânio como beneficiárias do esquema de fraudes em licitação no caso da Ferrovia Norte-Sul: Odebrecht, Galvão, Mendes Júnior e Camargo Correa. Na época, o caso não ganhou grande repercussão na imprensa, nem mesmo passou por uma investigação tão ampla como a da Lava Jato. Não houve prisões, nem punições.

Insinuação de Paulo Francis sobre corrupção na Petrobrás

Outro caso do passado, relacionado à denúncia na imprensa- que também aponta indícios de que relações inescrupulosas entre empresários e o Governo Federal já vêm acontecendo há décadas no país- envolve o saudoso jornalista Paulo Francis. Conhecido pela acidez de seus comentários bastante controversos, Francis disse, na década de 90, no programa ‘Manhattan Connection’, que “os diretores da Petrobrás, todos têm conta na Suíça”. Por conta dessa declaração, o colunista foi processado pelo então diretor da Petrobrás, Joel Rennó, que usou dinheiro da própria estatal para pagar os mais caros advogados. Não deu outra, o jornalista foi condenado a pagar uma indenização de 100 milhões de dólares, pois, o processo transcorreu nos EUA. Especula-se, inclusive, que o ataque cardíaco que matou Francis, em fevereiro de 1997, tenha sido decorrente do estresse resultante desse processo judicial, uma vez que, sequer, tinha esse montante para pagar a indenização.

Amadurecimento das instituições brasileiras

Infelizmente, Francis morreu sem que a bomba jogada por ele tivesse recebido a devida atenção da Polícia Federal e da imprensa. Assim, acredito que, muito embora, os pessimistas possam ser levados a crer que a corrupção no Brasil só tem piorado com o passar dos anos, prefiro enxergar as coisas com otimismo. Essas sucessivas etapas da operação Lava Jato, da PF, que tem atuado em conjunto com o Ministério Público Federal e a Justiça Federal, representam a consolidação do amadurecimento das instituições brasileiras. Em oito meses, a Operação Lava Jato vem sendo conduzida com uma eficiência notável, trazendo a público detalhes de uma esquema bilionário de corrupção na estatal. Até o momento, nove empreiteiras foram denunciadas. Empreiteiras com longo histórico de serviços prestados à Petrobrás.

Consolidação da democracia

Tanto a Polícia Federal, como o Ministério Público e a Justiça Federal têm prosseguido em suas tarefas de modo impecável, cumprindo todos os ritos do Estado Democrático de Direito, sem ameaças à ordem constitucional, enfim, essas instituições têm encontrado total autonomia para atuarem, cumprirem suas respectivas funções sem interferências do Poder Executivo Federal. Acredito que, apenas por isso- o que já se revela uma grande conquista diante de uma história nacional marcada por acobertamentos de investigações e censura-, podemos ter esperanças de que nossa democracia, após 30 anos, tenha se consolidado firmemente.

Início do fim da impunidade?

A própria Presidente Dilma Rousseff, durante reunião do G20, disse que a “Lava Jato” poderá mudar o Brasil para sempre e acabar com a impunidade. “Eu acho que isso mudará para sempre as relações entre a sociedade brasileira, o Estado brasileiro e as empresas privadas”, disse a presidente durante a reunião do G-20. A expectativa é que a deflagração desse escândalo, o maior em corrupção da história do Brasil, realmente mude essas relações da sociedade, do Estado e das empresas privadas. Porém, sabemos que este deverá se revelar um processo gradual que muito possivelmente esteja sendo iniciado agora. Afinal, são empreiteiras que historicamente trabalham para o Estado em todo o país e novos contratos com elas certamente não serão evitados. As obras de infraestrutura do país dependem dessas empreiteiras.

Democracia insipiente

Aliás, quando Jânio de Freitas denunciou as licitações fraudulentas no Governo Sarney, a nação vivia uma outra época, de democracia ainda insipiente. Acaba-se de sair de 21 anos de ditadura militar, quando a censura e o acobertamento da corrupção dos poderosos eram a tônica. Com a Constituição de 88, foi concedida ao Ministério Público maior autonomia para investigar, assim como a Polícia Federal passou gradualmente a ganhar liberdade dos sucessivos governos. Décadas atrás, sequer falava-se em fiscalização, tampouco, em transparência dos atos e contratos do poder público.

Caso policial

Penso que seria um equívoco tentar politizar e partidarizar a Operação Lava Jato, buscando associar seus envolvidos a partidos . Foi o que se fez com o caso mensalão, em que, no final das contas, os presos foram alçados à condição de heróis políticos perseguidos pela oposição. Essas denúncias de corrupção na Petrobrás revelam-se genuinamente um caso policial. E devem ser abordadas como tal.

Ampla reforma política

Acredito que, entre os desafios do novo mandato do Governo Dilma, está a condução de uma ampla e profunda reforma política, através do Congresso Nacional. Uma reforma em que o financiamento de campanhas deve ser amplamente debatido. Esses esquemas de corrupção envolvendo propinas de grandes empresários, frequentemente servem de propinoduto para financiamento de campanhas políticas. Tudo leva à suposição de que são a principal via para engordar o caixa 2 dos partidos. Talvez, o financiamento público de campanhas se revele a saída para conter essas quadrilhas.

O que temos certeza, no momento, é que a sociedade precisa ser esclarecida sobre as reais implicações das relações de grandes empresários, de grandes empreiteiras, com o Poder Público e as campanhas políticas. Essas grandes empresas que atuam junto ao Poder Público precisam ter suas atuações desmascaradas. Não podem ficar impunes quando os fatos sugerem que historicamente vem financiando a corrupção no Brasil.

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