É crise puxando crise. Mais uma se desenvolve, ameaçando jogar a ciência brasileira ou, em outros termos, seus entulhos, no fundo do poço. As instituições de ensino superior e técnico estão recebendo apenas 2,22% dos recursos anuais a que têm direito, deixando perplexos reitores das universidades federais, apavorando o alunado que recebe bolsas de iniciação científica, comprometendo a assistência estudantil, deixando pesquisadores frustrados ante a descontinuidade de suas tarefas, enfim, enterrando descobertas da ciência em profundo fosso.
O desmonte é coisa nunca vista, o que, de pronto, lança a pergunta: alguém sabe o nome do ministro da Educação? É triste constatar que, em paralelo ao negacionismo com que nossos gestores públicos, a partir do mais poderoso, o presidente da República, administram a pandemia da Covid 19, assiste-se ao desmoronamento do ensino público no país.
Os impactos podem ser sentidos não apenas nos cortes de recursos que paralisam atividades, mas na própria estética dos campi, como o da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que já foi celebrada como um centro de excelência em ensino e pesquisa, figurando entre as melhores do mundo. Eram os saudosos tempos da Universidade do Brasil. O que diriam deste descalabro alguns de seus reitores do passado, como Benjamin Franklin Ramiz Galvão, primeiro reitor da universidade e ex-membro da Academia Brasileira de Letras (ABL); o médico Raul Leitão da Cunha, o ex-ministro da Educação e Saúde, Pedro Calmon; o também imortal da ABL, Deolindo Couto; o ex-ministro da Educação, Raymundo Augusto de Castro Moniz de Aragão; e o economista Carlos Lessa, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)? Teriam vergonha do Brasil.
Que decepção ver que nem serviços de vigilância, limpeza e higiene são pagos por carência de recursos. A energia e a água ainda não foram desligadas por concessão das companhias. As rachaduras nos prédios e a falta de conservação assustam visitantes. Na Bahia, no Paraná, no Rio, as evidências de descaso até foram expostas, mas o feio retrato é o mesmo em todos os espaços ocupados por universidades federais.
O que se pode alegar? Cortes para viabilizar o chamado “teto de gastos”. Mesmo assim, justifica-se esse corte brutal de gastos? A imagem é dura, porém necessária: para salvar a vida de uma pessoa, ao invés de amputar um dedo, um braço, extirpam-se as veias. É claro que não haverá salvamento. Assim agem os burocratas, esses que, em seus compartimentos na Esplanada dos Ministérios, com a lâmina afiada, cortam as veias do corpo nacional. Ora, a educação é a base matricial de uma nação. Sem educação, não há processo civilizatório, não há avanços, progresso, vida saudável. Sem educação, um território deixa de ser nação para continuar a ser um pedaço bruto de terra.
A maior revolução de uma nação é a da educação. Sem ela emerge aquela moldura descrita pelo filósofo argentino José Ingenieros: “em certos períodos, a nação adormece dentro do país. O organismo vegeta; o espírito se amodorra. Os apetites acossam os ideais, tornando-os dominadores e agressivos. Não há astros no horizonte, nem auriflamas nos campanários. Não se percebe clamor algum do povo; não ressoa o eco de grandes vozes animadoras. Todos se apinham em torno dos mantos oficiais, para conseguir, alguma migalha da merenda. É o clima da mediocridade… O culto da verdade entra na penumbra, bem como o afã de admiração, a fé em crenças firmes, a exaltação de ideais, o desinteresse, a abnegação — tudo o que está no caminho da virtude e da dignidade.”
E onde está a esfera política nessa crise de mediocridade? Preocupada com outras coisitas que podem lhe render recompensas, retorno, resultados, votos. Verbas para comprar tratores, articulações para conseguir inserir emendas no orçamento, participar de foros que conferem maior visibilidade midiática. Assim é a vida nos espaços da representação parlamentar. Será que suas excelências, em postos nos ministérios, autarquias e casas congressuais, não devem nada ao motor educacional que impulsionou suas vidas? No momento de decidir, usam a balança do pragmatismo. Pensam: o que pode ser melhor para mim nesse momento?
E assim, a ciência, mesmo sob loas e aplausos de alguns, acaba sacrificada por “outras prioridades”. O que diz o MEC? Os recursos, infelizmente, estão “condicionados”. Não podem ser usados. Ou seja, a educação está “condicionada”. A esta altura, alguém sabe responder à pergunta acima: como é mesmo o nome do ministro da Educação?
P.S. O clamor foi tão intenso que o governo acabou dando um pouco mais de recursos às universidades.