No país do “jeitinho”, desconfianças sobre transplante de Faustão são compreensíveis
Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

No país do “jeitinho”, desconfianças sobre transplante de Faustão são compreensíveis

No domingo, dia 27 de agosto, o apresentador de TV Faustão passou por uma bem-sucedida cirurgia de transplante de coração. Cerca de uma semana após a divulgação na imprensa de que necessitava de um transplante de coração, urgentemente. O caso do apresentador era grave, tanto que já se encontrava em internação hospitalar desde o início do mês, fato que só foi divulgado no noticiário mais de duas semanas após sua entrada no Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Assim que a notícia da cirurgia foi levada a público, iniciaram-se as especulações nas redes sociais sobre a rapidez com que o apresentador obteve um órgão compatível. O que é perfeitamente justificável, afinal, não faltam pacientes na lista de espera do SUS que permanecem por meses ou anos aguardando a chegada de um coração, ou outro órgão, compatível. Comenta-se que há cerca de 380 pacientes aguardando um transplante de coração no país. A espera pode ser longa. Já houve casos em que o paciente terminou por vir a óbito antes de obter a doação.

País do “jeitinho”

Faustão teria “furado a fila”? O apresentador teria comprado o órgão para consegui-lo com mais rapidez? Estes foram os questionamentos dos usuários nas redes sociais. No país do “jeitinho”, da corrupção, da “lei de Gerson” em que se visa levar vantagem em tudo, não é de se estranhar as dúvidas e desconfianças do povo. Afinal, estamos no Brasil, onde a lei e as regras costumam valer apenas para os pobres. Estamos falando, em suma, de um país onde historicamente as elites contam com privilégios inimagináveis aos olhos dos povos de culturas onde ainda zela-se pela ética e respeito a normas e leis, em alguma medida, ao menos.

Empenho da imprensa

A família do apresentador e a imprensa, desde então, têm se desdobrado em prestar esclarecimentos a sociedade sobre como funciona a lista de espera em que Faustão entrou para receber o órgão de um doador compatível. O noticiário de praticamente toda a grande imprensa tem dado imenso destaque a esclarecer ao público sobre como funciona o sistema de doação e transplante de órgãos no país pelo SUS. Para começar, trata-se de uma lista e, não, fila, de espera única, independentemente se o paciente é atendido pela saúde pública ou privada. Há critérios de prioridade que não a ordem de chegada, relacionados a gravidade do caso e condições clínicas do paciente. Também, prioriza-se doadores e receptores do mesmo estado, por questões de logística de transporte do órgão. Faustão recebeu um órgão no domingo porque houve desistência, por decisão de equipe médica, a outro paciente que também era considerado um caso grave e urgente. Sem muitos detalhes, a informação que chegou a público é que não havia compatibilidade do órgão com este outro paciente. Faustão é portador do raro sangue tipo B e a média de tempo de espera por um órgão com este tipo sanguíneo é de dois a três meses, segundo o informado pela imprensa. A família esclareceu, inclusive, que o apresentador já se encontrava na lista de espera há mais tempo que uma semana, quando o fato foi divulgado.

Desconfianças da população

Mas, apesar dos esforços de toda a imprensa para prestar esclarecimentos, a julgar pelos comentários nas redes sociais, o público continua desconfiado. Alguns, declaram contar com a sensação de certeza absoluta de que houve privilégio ao milionário apresentador. Todas essas desconfianças do povo brasileiro são absolutamente compreensíveis, plausíveis. E principalmente quando se considera todas as mazelas e dificuldades do SUS em bem atender seus usuários. No quesito medicina de especialidades, e, em especial, quando se trata de alta complexidade, os problemas, desafios, são imensos. O próprio noticiário tem sido muito competente em apontar, sem delongas, as tragédias diárias enfrentadas no SUS, desde pacientes morrendo em filas de espera, até casos de negligência e mau atendimento das equipes, passando por falta de insumos básicos e equipamentos e aparelhos para exames e diagnósticos. Então, são bastante justificáveis as dúvidas e desconfianças da população quanto a agilidade com que uma celebridade consegue um transplante de coração.

Medicina de elite

Contudo, o que muitos não estão se atendendo é ao fato de Faustão não ter sido atendido pelo SUS. O apresentador está no Hospital Albert Einstein, um dos mais renomados do país. Desde o início, tem sido tratado pela medicina privada, em um hospital de elite. Desde as consultas iniciais, os inúmeros exames e procedimentos a que se submeteu, não dependeu da saúde pública. Apenas, foi incluído na lista única de espera para receber doação de um órgão que é gerida pelo SUS. Eis, a grande diferença. Se contasse com o SUS para tudo, desde o início, poderia, ainda, sequer, ter obtido um diagnóstico definitivo, e nem todos os exames necessários. Possivelmente, estivesse lutando, ainda, por uma vaga para internamento hospitalar. Todo esse processo até a chegada na lista de espera faz toda a diferença.

Pautas com usuários do SUS

O caso do Faustão, infelizmente, pode contribuir para ampliar as desconfianças da população quanto a idoneidade do sistema de transplante de órgãos no país que, aliás, conta com reconhecimento internacional. Ainda pode reforçar o receio que muitos brasileiros têm de que haja um possível esquema de tráfico de órgãos atuando por “debaixo dos panos”. Seria bem mais assertivo se a imprensa buscasse focar em pautas onde são retratados casos de usuários do SUS que foram contemplados com a doação de órgãos. Reportar casos de pacientes do SUS, anônimos, de pessoas comuns, do povo, que passaram por cirurgias de transplante de órgão contribuiria, em muito, para gerar credibilidade perante a população.

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