quarta-feira, 8 de maio de 2024
Justiça extrapola ao censurar e punir comediante por piadas “ofensivas”

Vanessa Martins de Souza

Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

Justiça extrapola ao censurar e punir comediante por piadas “ofensivas”

O humorista Léo Lins, na semana passada, foi censurado e proibido de sair do estado de São Paulo por dez dias em razão de decisão em medida liminar a pedido do Ministério Público. O crime cometido pelo comediante? Trabalhar fazendo shows de stand up comedy onde a tônica são um verdadeiro festival de piadas consideradas “ofensivas”. Negros, nordestinos, gordos, pessoas com deficiência, idosos, judeus, gays, ninguém escapa das piadas de Léo Lins, um dos comediantes mais mordazes da atualidade. Para alguns, ele faz humor grotesco e de mau gosto. Para outros, é humor negro. O próprio artista define seu trabalho como “100% humor negro”.

Desproporcionalidade

Entretanto, gostando ou não do tipo de humor que ele faz, não se pode fazer de conta que nada grave esteja acontecendo no país em termos de liberdade de expressão e de criação artística. A decisão judicial que proíbe o humorista de exercer seu direito de ir e vir por dez dias é absolutamente descabida, desproporcional a ilicitude cometida. Além disso, a medida liminar proíbe Léo Lins de fazer shows, e obriga a retirada de todo seu conteúdo da internet, assim como excluí -lo de seus arquivos pessoais e, mesmo, dos armazenamentos “na nuvem”. Em resumo, antes mesmo de ser julgado, por mera medida liminar, a decisão da juíza praticamente inviabiliza o exercício profissional do artista. Enfim, o objetivo foi acabar com a carreira artística do comediante.

Despotismo

Quem apoia esse tipo de punição a um humorista, lamento dizer, já perdeu seu senso de proporção e balizamento moral de forma irremediável. Bem como apresenta tendências ditatoriais e despóticas disfarçadas por falsos sentimentos de empatia para com os supostos ofendidos. Afinal, Léo Lins vem sendo tratado pela justiça de forma mais dura que criminosos de alta periculosidade, muitos deles, aliás, obtêm inúmeras regalias na Justiça. Até responder processos em liberdade, mesmo após dezenas de passagens pela polícia, a bandidagem consegue. Se a justiça concedesse tratamentos rigorosos a bandidos e políticos corruptos da mesma forma que tem atuado com rigor no combate às “ofensas” contra as minorias e no patrulhamento a quem não reza pela cartilha do politicamente correto, o país finalmente estaria livre de tanta criminalidade. Mas, criminoso, mesmo, é quem exerce sua réstia de liberdade de expressão…

“Lei Antipiada”

A decisão judicial não foi ilegal. Foi baseada na lamentável legislação aprovada no Congresso Nacional, ao final do ano passado, intitulada “Lei Antipiada”. A lei, apresentada por parlamentar bolsonarista, foi aprovada inclusive com o apoio da bancada bolsonarista, obtendo votos, até, de Eduardo Bolsonaro que, agora, revela-se “indignado” com a censura a Léo Lins. A sanção ficou para o presidente Lula, uma vez que a aprovação aconteceu ao término do mandato do presidente Bolsonaro. A “Lei Antipiada“ é algo descabido pois, visa igualar crime de injúria racial – quando se pratica ofensas a uma raça ou etnia atentando-se contra direitos coletivos – a crime de racismo, que é quando se pratica discriminação pessoal com base na raça ou etnia da vítima. Dessa forma, a Lei inviabiliza o trabalho de inúmeros comediantes, que não mais poderão fazer piadas de nordestinos, negros, pardos, índios, ciganos, judeus…

Liberdade de escolhas

Somos livres para não gostar ou repudiar piadas sobre minorias raciais, bem como sobre gordos, pessoas com deficiência e outros. Somos livres para expressar nosso repúdio a certos sketches de humor apelativos e ofensivos, e absolutamente “sem graça”. Somos livres para não dar plateia a esse tipo de espetáculo e, até, fazer propaganda contra. O humor grotesco, muitas vezes, de Léo Lins, não costuma ter graça para os mais sofisticados, mesmo. Mas, o artista conta com um público expressivo entre seus fãs. Qual o direito do Estado, do Poder Judiciário, de cercear o trabalho de um comediante, de um artista, de um escritor, de um criador de conteúdo, baseados em evitar “ofensas” a minorias, a direitos coletivos?

Maldade ou leveza?

Acredito que todo humor, até, mesmo, os mais sofisticados, baseados em fina ironia, apresentam alguma dose de “maldade”. Quem de nós nunca riu, debochou de uma desgraça, de um problema, com o intuito, até, de deixar a situação mais leve? Qual a medida do que seria “ofensivo” visto que se trata de algo subjetivo, da percepção individual do receptor da mensagem? Gordos na plateia de Léo Lins já disseram rir das piadas do comediante sobre gordos. Talvez, outros gordos não vejam graça e fiquem, até, ofendidos. Com quê parâmetros podemos estabelecer regras e limites para piadas? Quando se trata de não ofender uma ou dez pessoas, a empreitada de não ser ofensivo pode, até, ser viável. Mas, quando se trata de não ofender milhares, milhões de pessoas, isto seria possível, uma vez que não se pode prever a recepção que a mensagem terá em cada receptor dotado de individualidade e subjetividade únicas?

Escalada da censura

Francamente, estamos avançando a uma condição de “Estado censurador“ irrefreável. Parece que estamos num caminho sem volta quando se trata de cercear as liberdades individuais em nome da defesa de direitos coletivos. Tudo para a coletividade e nada para o indivíduo. Esta é a tendência. Chegará um tempo, em breve, em que seremos proibidos de rir de qualquer bobagem e, até, de pensar por conta própria. Discordar de opiniões e conceitos “oficiais” e não seguir as regras politicamente corretas ditadas pelo Estado será crime hediondo. Mais grave do que roubar, matar, estuprar, formar quadrilhas de roubo de dinheiro público… Já estamos vendo um comediante perder sua liberdade de ir e vir enquanto criminosos de alta periculosidade presos em hospitais de custódia começam a ser soltos… Isso é só o começo…

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