Ex-Feiticeira é acusada de intolerância religiosa ao associar orixás no Carnaval a demônios
Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

Ex-Feiticeira é acusada de intolerância religiosa ao associar orixás no Carnaval a demônios

Como em todo ano, não poderia faltar uma boa polêmica neste Carnaval 2025. Quem protagonizou, em 2025, foi o casal de evangélicos Vitor Belfort e Joana Prado Belfort (a ex-Feiticeira). O casal gravou um vídeo no Instagram criticando o Carnaval, associando as festividades à “imoralidade“ e a atitudes que “desagradariam a Deus”. Por todos os motivos já amplamente difundidos por quem abomina a tradicional folia de Momo: imoralidade, sensualidade, prazeres carnais, promiscuidade, obscenidades, uso de drogas, abuso no consumo de bebidas alcoólicas, além das brigas, crimes e violência que costumam surgir por consequência de todos os excessos.

 

Desrespeito e preconceito

Se as críticas parassem por aí, tudo bem. Ninguém é obrigado a gostar e participar da folia se quer se precaver de excessos e eventuais problemas decorrentes. Porém, o casal extrapolou o respeito e a tolerância religiosa quando associou Carnaval a ”festa da macumba”, como se fosse algo pejorativo e do mal. Para ambos, a festividade estaria ligada a “invocação de demônios” e “rituais religiosos” por homenagear orixás e entidades da Umbanda e Candomblé. O ex-lutador de MMA, Belfort, ainda referiu-se à “cultura espírita“ relacionada ao Carnaval, demonstrando desconhecimento sobre o fato de o Espiritismo Kardecista não ter nada a ver com o culto a orixás, a Umbanda e o Candomblé, ambas religiões de matriz africana com preceitos e rituais bastante diferentes do Espiritismo Kardecista, fundado pelo francês Allan Kardec.

 

“Hipócrita“

Joana Prado conta com 1 milhão de seguidores no Instagram e deveria ter mais cuidado e respeito ao falar para um amplo público. Não estava dirigindo-se a apenas evangélicos. A reação de muitos seguidores foi acusar a ex-musa dos anos 90 de “hipócrita” e de disseminar intolerância religiosa. Lembrando que Joana Prado já desfilou em escolas de samba do Rio, tendo sido musa do Salgueiro, no auge da fama. E posou duas vezes para a revista Playboy. Enfim, a ex-Feiticeira tem todo direito de mudar de postura, de conduta, de crenças. Mas não tem o direito de ofender religiões e religiosos que não proferem a mesma fé que a sua.

 

Crenças x razão

Quando associa orixás e espíritos a “demônios“, repete crenças relacionadas à sua religião, tão somente. Nem todas as religiões entendem orixás, entidades e espíritos como “demônios”. Trata-se de crenças. E crenças não são passíveis de debates ou comprovações. Assim, teria sido elegante e respeitoso não levar a público essas polêmicas, uma vez que religiões envolvem a esfera da fé, e não a esfera da ciência e da razão, não podendo seus dogmas e crenças serem comprovados, atestados e demonstrados a nível objetivo dentro de um modelo de raciocínio que envolve uma relação de causa e efeito e aferições no mundo material.

 

Crime de intolerância religiosa

Críticas e a disseminação de ideias e opiniões discriminatórias e pejorativas contra quaisquer religiões, também, configuram crime de intolerância religiosa. A Lei 7.716/1989 prevê pena de reclusão de um a três anos e multa para quem cometer intolerância religiosa. Aliás, a intolerância religiosa tem crescido no país. De acordo com dados divulgados sobre 2024 do Canal de Denúncias do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, o Disque 100, houve um crescimento de 80% nas denúncias em 2024, comparadas a 2023. Em 2024, foram 3.853 violações motivadas por intolerância religiosa em todo o país. As religiões de matriz africana, Umbanda e Candomblé, foram os maiores alvos. Os evangélicos, também, foram alvos de intolerância religiosa, somando 111 registros, com um aumento de 50 casos denunciados em relação a 2023.

 

Polarização política

Não é aceitável a presença de intolerância e de discriminação religiosa, especialmente, num país como o Brasil, que, até poucas décadas, podia se orgulhar de convivência pacífica entre uma variada gama de crenças e religiões decorrentes de uma grande miscigenação e mix de povos e culturas. O sincretismo religioso, inclusive, era exaltado como uma peculiar característica da cultura brasileira. Mas, veio a polarização política e, com ela, a radicalização de ideias e opiniões, onde vimos política e religião andarem de mãos dadas de uma forma bastante equivocada. Templos e centros de Umbanda e Candomblé passaram a ser alvo de invasões e depredações. Um caminho perigoso e na contramão das práticas civilizatórias. Crimes de ódio ferem a dignidade humana e resultam em um ciclo de violência e intolerância que não trazem nada de positivo.

 

Liberdade de culto

O Estado brasileiro é laico e a liberdade de culto religioso é assegurada pela Constituição Federal. Religiões dependem unicamente de crença. São uma questão de fé. Acredita quem quer, quem gosta, quem se sente bem, quem encontra afinidades e benefícios. Como se costuma dizer: ”o problema não é você ter uma religião. O problema é você ser chato“. Mais do que chato, o maior problema é ser fanático e intolerante. Afinal, ninguém é dono da verdade. Ninguém detém toda sabedoria. Há divergências de preceitos, até, mesmo, entre religiões semelhantes, a exemplo da divisão no Cristianismo dada pelo Catolicismo e o Protestantismo. No Budismo, há diversas linhas e vertentes, também. No Islamismo, há os sunitas e xiitas. No Judaísmo, a mesma coisa… E assim por diante… Tanta diversidade só demonstra que ninguém conseguiu comprovar que está absolutamente certo e que encontrou a verdade maior. Sabedoria e humildade para reconhecer que não temos todas as respostas deveriam ser a tônica. ”Só sei que nada sei”, é sempre bom lembrar do filósofo grego Sócrates. Com isso, o respeito e a tolerância surgem naturalmente.

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