Em reação a decisão de Alexandre de Moraes, bancada evangélica quer aprovar retrocesso e ataque aos direitos das mulheres com projeto sobre aborto
Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

Em reação a decisão de Alexandre de Moraes, bancada evangélica quer aprovar retrocesso e ataque aos direitos das mulheres com projeto sobre aborto

Não é preciso ser feminista, ou de esquerda, para ser contra o projeto que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados que endurece as penas para o crime de aborto. Basta ter bom senso e um pouco de sensibilidade e humanidade. A bancada evangélica conseguiu aprovar o regime de urgência (em votação simbólica, sem registro dos votos individuais) para a tramitação do PL 1904, um texto que equipara o aborto a homicídio simples e exclui a possibilidade de aborto legal em caso de gravidez resultante de estupro após 22 semanas de gestação, conforme atualmente previsto no artigo 128 do Código Penal.

O projeto de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e assinado por mais 31 parlamentares, quer ampliar a pena para de seis a vinte anos de reclusão a mulher que interromper uma gestação após 22 semanas, bem como a quem realiza o procedimento. Mesmo que se trate de gravidez decorrente de estupro. Uma punição mais dura que a prevista a estupradores, que é de seis a dez anos de prisão, ampliada para doze se houver violência grave. Se a vítima for menor de quatorze anos ou considerada vulnerável (a exemplo de deficiência mental), a pena pode ir de oito a quinze anos, ampliada para vinte se houver lesão corporal grave. Em caso de morte da vítima, a pena pode chegar a trinta anos de prisão.

O PL 1904 é uma reação a decisão do ministro Alexandre de Moraes, em maio, que suspendeu a resolução do Conselho Federal de Medicina que proíbe a assistolia fetal, um procedimento para abortos legais, após 22 semanas de gestação. O presidente da Frente Parlamentar Evangélica no Congresso classificou a decisão de Moraes como uma autorização para “assassinato de inocentes”.

É perfeitamente possível discordar da decisão de Alexandre de Moraes ao mesmo tempo em que se discorda da reação da bancada evangélica a partir deste Projeto de Lei. De um lado, temos Moraes em sua tentativa de “liberar geral” o aborto. De outro, a bancada evangélica reagindo com uma proposta, também, extremada, descabida, que representa um retrocesso nos direitos das mulheres. Ora, será que ninguém é capaz de chegar a um acordo razoável nessa questão, sem radicalismos que oscilam para um lado e depois para o outro?

 

Pró-vida

A maior parte da sociedade brasileira é contra o aborto. Mas abortos costumam ocorrer em situações bastante diversas. Não se pode generalizar e tachar todas as mulheres que praticam o aborto de “inconsequentes, irresponsáveis e desumanas” como pintam os ativistas pró-vida. Nem sempre, o aborto é realizado de forma displicente como mais um “método anticoncepcional”, simplesmente por que a gestante não quer dar continuidade a gravidez. Na maioria das vezes, é envolto em situações muito difíceis e dolorosas para a gestante abrangendo estupro, abuso sexual, violência doméstica, dificuldades financeiras, sociais e emocionais.

 

Proteção à vítima de estupro

O que deveria estar em foco, especialmente, é a proteção da mulher ou menina vítima de estupro, o que foi absolutamente negligenciado neste PL. Conforme este projeto de lei, a vítima de estupro passa a ser considerada uma criminosa. Uma criminosa maior que o próprio estuprador. É o fim da sanidade mental apoiar uma barbaridade como essa. As maiores prejudicadas serão as meninas menores de quatorze anos, que estão entre as grandes vítimas de estupro no Brasil. Somente em 2023, foram 12 mil meninas de oito a quatorze anos que se tornaram mães no país. Os casos de gravidez nessa faixa etária apresentam a peculiaridade de serem descobertos muito mais tarde, frequentemente a partir de 22 semanas. Medo, vergonha, culpa e desconhecimento acompanham essa situação em que a menina faz de tudo para esconder a gestação.

Nesta questão, tem faltado mais bom senso e razoabilidade aos deputados que estão apoiando esse projeto. Entre defender a permissão total para realizar o aborto após 22 semanas como fez Alexandre de Moraes e retroceder punindo duramente a gestante e quem realiza o procedimento, como quer a bancada evangélica, deve haver um meio-termo.

 

Estupro, abuso sexual e violência doméstica

Se é para endurecer as penas, que se faça para os estupradores. O mais grave neste PL é a proibição do aborto em casos de estupro, após 22 semanas. No mínimo, este trecho do projeto precisa ser retirado. Quê sociedade, em sã consciência, irá apoiar leis que permitam que crianças se tornem mães? Quem apoia esse tipo de legislação não é diferente de apoiadores de regimes como o talibã. Lamentavelmente, não se vê a mesma mobilização da bancada evangélica para endurecer penas contra estupradores, abusadores e a violência doméstica.

 

Protestos populares

Ainda sem data para apreciação em plenário, a expectativa é que siga para votação na semana que vem, uma vez que não precisa passar pelas comissões internas da Casa devido ao regime de urgência. Entidades diversas em apoio aos direitos das mulheres e dos menores de idade já agendam protestos populares e manifestações de rua contra o PL da bancada evangélica.

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