A CPI da Covid-19, que se desenrola no Senado Federal, tem escancarado à nação a tragédia que é a política nacional. Para começar, contar com o senador Renan Calheiros (MDB-AL) como relator seria motivo de piada, não fosse tanta a gravidade do cenário atual no país, em que não se pode, sequer, rir diante de tanto descalabro para não se correr o risco de ser tachado de “alienado”. O senador alagoano é o “rei dos inquéritos”, simplesmente, e não tem a mínima moral para a relatoria.
ESCOLHIDOS A DEDO
E quem preside a CPI? Nada mais, nada menos, que o senador Omar Aziz (PSD-AM) que teve, em 2019, membros de sua família presos por desvio de verbas da saúde em uma grande operação da Polícia Federal em seu estado. Já o vice-presidente da CPI é o líder da oposição no Senado, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ou seja, um parlamentar de esquerda, francamente de oposição ao Governo Federal.
ERRO DE CÁLCULO
Para termos uma CPI no mínimo equilibrada e dividida de maneira justa, seria necessário que o governo Bolsonaro tivesse articulado a inclusão de aliados, também, em posições-chave na CPI. Mas, Bolsonaro não acreditava que a CPI fosse realmente ser aprovada. Um erro de cálculo que está fazendo seu governo sangrar a olhos vistos.
CIRCO DE HORRORES
Renan Calheiros, inclusive, durante a semana, passou de todos os limites ao ameaçar de prisão o depoente Wajngarten, demonstrando que seu objetivo é desmoralizar o governo de forma acintosa. Por mais que os depoimentos estejam revelando, realmente, muitos erros e negligências na condução do enfrentamento à pandemia, é preciso zelar pela imparcialidade, ética e razoabilidade. A briga explícita entre Calheiros e Bolsonaro tem colocado em xeque a credibilidade da CPI. O presidente da República também perdeu as estribeiras, partindo para ataques ao alagoano, acompanhado do filho, o senador Flávio Bolsonaro. A baixaria dessa disputa política tem transformado a CPI em mais um “circo de horrores” dessa nossa triste cena política. O palanque eleitoral está exposto, muito bem simbolizado pela ida de Bolsonaro a Alagoas na terça-feira, para inauguração de uma ponte que Renan Calheiros disse que seria uma obra já feita em governo anterior. Na oportunidade, o presidente da República, por sua vez, apelou ao populismo, a partir de frases de efeito como “só Deus me tira da presidência”.
JOGO DE CARTAS MARCADAS
De fato, todos nós sabemos que o objetivo da CPI é levar um pedido de impeachment adiante no Congresso Nacional. O que resta saber é se realmente a CPI irá trazer indícios ou provas consistentes de crimes do presidente da República no enfrentamento a pandemia. O fato de o governo ter recusado seguidas propostas da farmacêutica Pfizer no ano passado para a compra de vacinas, que seriam entregues já em dezembro, é um ponto a considerar. O governo alega que não aceitou, a época, porque a Anvisa não havia ainda aprovado a vacina, fato que só ocorreu em fevereiro deste ano, seguido da assinatura de contrato de compra em março. E vale lembrar que, em agosto de 2020, sequer o FDA dos EUA, órgão semelhante a Anvisa, também não havia aprovado a vacina da Pfizer. A autorização do FDA só aconteceu em dezembro de 2020. O Governo Federal também alega que as cláusulas contratuais da Pfizer isentavam a farmacêutica de responsabilidades quanto a eventuais efeitos colaterais, colocando o Governo Federal como responsável por eventuais danos a saúde dos imunizados.
FALTA DE INICIATIVA
Contudo, o fato é que faltou iniciativa em agilizar a compra de vacinas, pois, o imunizante da Pfizer foi comprado por 110 países, inclusive, pelos EUA, mesmo com o FDA tendo somente aprovado este imunizante em dezembro. Ou seja, faltou uma percepção clara da importância dos imunizantes para conter a pandemia e timing para agir em tempo, ao invés de amparar-se em burocracia. Numa situação emergencial de grave pandemia, foi sensato esperar tanto tempo de aprovação pela Anvisa para a compra?
Não havia outra saída: ou apostava-se nos imunizantes, ainda novos e experimentais, para conter uma doença sem medicamentos realmente eficazes ou deixava-se o vírus correr solto matando muita gente que poderia ter sido salva se houvesse outra política de saúde pública pautada no distanciamento social, em lockdowns e vacinação em massa de forma acelerada. Foi isso que governantes de países como Reino Unido, Israel e EUA perceberam. E que Bolsonaro, talvez, mal assessorado, não se deu conta. Se tivesse dado crédito a ciência, buscado informações fidedignas sobre as novas tecnologias de vacinas como a da Pfizer, uma farmacêutica extremamente renomada, tudo poderia ter sido diferente. Afinal, a tecnologia de vacinas por DNA e RNA mensageiros já vem sendo estudada há anos. Mas, Bolsonaro preferiu a campanha antivacinação, apostando no “medo de virar jacaré”.