A CPI da Covid-19 no Senado Federal chega a sua reta final deixando escancarado a que veio: encontrar materialidade para supostos crimes do presidente Bolsonaro a fim de garantir um embasamento para abertura de um processo de impeachment na Câmara dos Deputados. Uma das últimas decisões da Comissão, ainda não confirmada, é a convocação da segunda ex-mulher do presidente da República, a advogada Ana Cristina Valle. Na quarta-feira (15/09), a Comissão aprovou de forma quase unânime a convocação da ex. Ela, talvez, seja chamada à Comissão por supostamente ter conexões com o empresário Marconny Faria, que depôs à CPI na quarta-feira e é acusado de atuar como lobista a favor da empresa Precisa Medicamentos dentro do Ministério da Saúde.
Porém, a convocação de Ana Cristina Valle é controversa e incerta. De acordo com colunista do jornal Metrópoles, o senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, desconversou quando indagado na quinta-feira (16/09) sobre a convocação, limitando-se a dizer: “vamos ver”. Não haveria tempo hábil. Afinal, a CPI entra em sua reta final. Outra questão é mais pertinente: a grande probabilidade é de que a ex-mulher não tenha nada a ver com as atividades do Governo Federal, muito menos, no tocante ao Ministério da Saúde e o enfrentamento à pandemia. A convocação, se não encontrar nada de importante, deverá revelar-se um tiro no pé à CPI. E uma clara confissão de interesses meramente políticos de suas atividades, saindo do escopo de seus objetivos formais. Francamente, forçar a barra para tentar incriminar o presidente da República também deve ter limites…
PT não quer impeachment?
Curiosamente, foi um petista que se mostrou reticente em chamar Ana Cristina. Trata-se do senador Humberto Costa (PT-PE), adversário do governo Bolsonaro, que disse em entrevista após a sessão da CPI que tem ressalvas à convocação de Valle: para ele, há indícios de que ela pode ter envolvimentos com crimes, como os das “rachadinhas”, mas não necessariamente atos ligados à pandemia de coronavírus, objeto inicial da CPI. Bem… Tem ficado a cada dia mais evidente que o PT não tem interesse no impeachment de Bolsonaro, preferindo um suposto desgaste até as eleições de 2022 a fim de manter a polarização Lula/Bolsonaro, o que, na avaliação do petismo/lulismo soaria vantajosa ao PT.
Mudança na legislação do impeachment
Outra desfaçatez na CPI parte do relator Renan Calheiros (MDB-AL). Eis, que o senador alagoano veio com a proposta de alterar a legislação do impeachment, agora, que a CPI está finalizando os trabalhos e prestes a apresentar seu relatório final. Renan quer forçar que a Câmara analise pedidos de impeachment contra o presidente da República. A proposta é estabelecer um tempo mínimo para o presidente da Casa analisar denúncias oriundas da CPI. Caso o prazo não seja cumprido, caberia ao plenário, onde os demais 512 deputados votam, decidir se aceita iniciar um processo.
A alteração na legislação que trata do impeachment proposta por Renan tem apoio entre o grupo majoritário da comissão. O parlamentar pretende entregar o parecer até os dias 23 ou 24 de setembro. A intenção da cúpula da comissão é possibilitar que as conclusões da investigação da CPI provoquem a abertura de um processo de afastamento do presidente Jair Bolsonaro na Câmara. A mudança na legislação (Proposta de Emenda Constitucional – PEC), no entanto, dependeria de aprovação no Congresso. E o presidente da Câmara, deputado federal Arthur Lira (PP-AL), já adiantou que a proposta de Calheiros foge do objeto da CPI e que não acredita que as duas casas legislativas tenham intenção de aprovar mudanças nesta legislação.
Relatório e parecer de juristas
A “brilhante” ideia de Calheiros vai de encontro ao relatório final que a CPI está montando. Bem como ao parecer de juristas que a comissão divulgou na quarta-feira que cita a possibilidade de o presidente Bolsonaro ter cometido sete crimes durante a gestão do combate à pandemia de Covid-19. Os ilícitos incluem charlatanismo, infração de medida sanitária, crime de epidemia, prevaricação, incitação ao crime e crimes contra a humanidade e crimes de responsabilidade. O parecer é coordenado pelo jurista Miguel Reale Júnior, que foi um dos autores do documento que motivou o pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Como vemos, a preparação para mais um pedido de impeachment contra Bolsonaro – desta vez, com a busca de embasamento mais consistente através do relatório da CPI e os holofotes midiáticos – está na pauta dos adversários na CPI. Só falta combinar com o presidente da Câmara, Arthur Lira, e 2/3 da Casa, pra começo de conversa. Depois, há ainda os trâmites no Senado. A um presidente da República que conta com apoio popular entre 20 a 30% do eleitorado, creio que ficará bem mais difícil dessa pauta ir pra frente do que no caso de Dilma Roussef, que contava com menos de 10% de aprovação popular quando os parlamentares se mobilizavam para derrubá-la.