segunda-feira, 20 de maio de 2024
Condenação a Dallagnol demonstra que justiça brasileira está virada do avesso

Vanessa Martins de Souza

Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

Condenação a Dallagnol demonstra que justiça brasileira está virada do avesso

A justiça no país, nesta semana, demonstrou que anda muito doente, atingindo proporções de quem se encontra na UTI, em estado terminal. Eis, que a quarta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condena o ex-procurador Deltan Dallagnol a pagar indenização por danos morais ao ex-presidente Lula, no valor de R$75 mil. O motivo foi a apresentação, em Power Point, feita pelo então procurador da Lava Jato, em 2016, na qual apontava as acusações de corrupção envolvendo o ex-presidente.

Lula foi condenado em três instâncias do Poder Judiciário e teve seus processos anulados pelo STF, por conta de questões processuais. Não significa que foi absolvido pela justiça. Mas, mesmo assim, reivindicou o “direito” de pedir indenização. O fato de ter pedido indenização não é motivo de surpresa, visto que o petista sempre declarou-se inocente, injustamente perseguido. O surpreendente é a condenação a Dallagnol. Onde está a ética, a moralidade, o senso de realidade, até, de tais juízes?

Condenação inconstitucional

Juristas, inclusive, consideram a condenação inconstitucional e que contraria jurisprudência do STF. Pois, quem teria de ser processado seria o Estado, não o agente público, no caso o ex-procurador. E, dali em diante, se o Estado assim julgasse procedente, este deveria processar o agente público. Mas, apenas em caso de dolo (intenção de prejudicar) ou erro grosseiro. O que evidentemente não se encaixa na situação de Dallagnol.

A decisão judicial foi encarada com muita tristeza, revolta e indignação por parte dos apoiadores da Lava Jato, entre a população brasileira. Tanto que um movimento inusitado, um sopro de esperança, entrou em curso de forma repentina. Em 36 horas, inúmeros brasileiros apoiadores da Lava Jato fizeram uma “vaquinha” para arrecadar dinheiro para o ex-procurador pagar a indenização. Neste período, somaram-se R$ 500 mil arrecadados em pix depositados na conta de Dallagnol. Pelo menos, é o que ele conta nas redes sociais: as doações foram espontâneas, uma iniciativa de pessoas entre o povo brasileiro que teriam encontrado o número de seu CPF na internet e depositado os pixes. Foram doações em valores variados, a partir de R$1, R$5, R$10. O movimento teria sido espontâneo, segundo conta Dallagnol, demonstrando o apoio que parte da população brasileira dá ao trabalho da Lava Jato. Bem como representa a reação de indignação diante de um descalabro sem igual protagonizado pela justiça brasileira. Dallagnol teve de pedir para pararem com as doações, pois, o valor já havia chegado a meio milhão de reais. O que sobrar do pagamento da indenização, o ex-procurador comprometeu -se a destinar para causas filantrópicas, a exemplo de instituições para tratamento de crianças com câncer e autismo.

Revolta e indignação

A decisão do STJ tem contribuído para ampliar o sentimento de desolação e revolta presente em muitos brasileiros que sonham com um país melhor, mais justo, ético e onde se restaure a moralidade e a decência. Mas, lembremos que a operação Mãos Limpas, na Itália, na qual a Lava Jato inspirou-se, também, sofreu duros revezes, tendo sido anulada, praticamente, por decisões posteriores. Já era esperado que isso também aconteceria no país: a revanche do sistema corrupto em favor dos condenados. O sistema de corrupção no Brasil é extremamente enraizado em todos os âmbitos e estruturas de poder, e certamente, conta com agentes públicos atuantes no Poder Judiciário. A justiça brasileira está doente, a começar pelo STF e suas decisões controversas em defesa de corruptos.

“Saída é o aeroporto”

Com tantos revezes e retrocessos no combate a corrupção, somados a novos escândalos diários, a exemplo do mais recente no Ministério da Educação, a sensação que tantos cidadãos têm tido é a de que a “saída” para o Brasil é o aeroporto, unicamente. É inegável que o Brasil cansa, exaure, a todos nós. Há a sensação de que a gente nada, nada, para morrer na praia, de que lutar contra os malfeitores públicos é uma causa perdida. Afinal, o sistema corrupto que aqui impera é mais forte, mais poderoso e mais bem organizado e unido que o povo brasileiro. Na realidade, é isso, mesmo. O brasileiro não é um povo unido em torno de uma luta em comum. O Brasil tem se tornado uma nação “rachada”, dividida, polarizada, mais do que nunca. Briga-se, até, com parentes e amigos por causa de política, de disputas ideológicas. Há os que odeiam Lula, os que odeiam Bolsonaro, os que odeiam ambos.Há os que amam e os que odeiam Moro e Dallagnol… Enfim, não há possibilidades de união entre essas “facções” populares. A impressão é a de que tudo é uma questão de vida ou morte para os brasileiros e suas defesas apaixonadas. Lula e Bolsonaro são heróis para muitos. Moro e Dallagnol também já alcançaram esse patamar de “heróis” para outros tantos. E quem é que consegue unir um povo com tantas rivalidades entre esses “heróis”?

Povo desunido

Contudo, o que poucos percebem é que, enquanto o povo “se mata” de tanto brigar entre si por causa de políticos, eles, mesmos, os políticos conseguem unir-se e deixar divergências de lado quando há interesses. Vejamos Lula e Alckmin, agora, juntinhos…

Mas, os adeptos de Lula jamais aceitarão o fato de que ele não foi condenado injustamente, assim como bolsonaristas jamais aceitarão o que a mídia diz sobre haver corrupção no Governo Federal. Ou já estaríamos num ponto em que o combate a corrupção não tem tanta importância? A ética do “rouba, mas, faz”, talvez, esteja valendo para muitos brasileiros, desde que seja com o “meu” político…

Lucidez e esperança

Como contraponto, e uma réstia de esperança neste cenário desolador, houve essa movimentação popular em defesa da Lava Jato a partir da “vaquinha” para o Dallagnol. Um sinal de que ainda há brasileiros que estão lúcidos sobre a gravidade do momento. Em ano eleitoral, corruptos farão de tudo para escapar de processos e condenações, até, mesmo, tentar comprar juízes.

Conforme disse Sérgio Moro sobre a condenação de Dallagnol, o “país está doente, virado do avesso, onde tenta-se transformar o errado em certo”. Definitivamente, o Brasil é um país onde os maiores absurdos acontecem e boa parte do povo ainda é capaz de aplaudir, enquanto a outra parte dorme, anestesiada por uma sucessão de descalabros que já viraram rotina e não se esboça, sequer, alguma reação. Porém, há ainda alguns, talvez, poucos, que estão acordados, com uma percepção mais lúcida sobre os reais problemas. Estes não estão comprometidos com o “culto a personalidade” e preocupam-se com o destino da nação, independentemente, de partidos, ideologias ou “políticos de estimação”.

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