O ex-presidente Jair Bolsonaro fez uma afirmação, na segunda-feira (24/03), das mais contraditórias sobre sua derrota eleitoral, em 2022. E que só depõe contra ele no que se refere a uma das principais bandeiras do bolsonarismo: uma suposta falta de confiabilidade das urnas eletrônicas. Bolsonaro foi ao podcast Inteligência Ltda., junto com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e disse que a deputada Carla Zambelli, uma de suas mais leais apoiadoras, é a culpada por ter perdido as eleições, em 2022, para Lula. “A Carla Zambelli tirou o mandato da gente”, disse e repetiu.
Armas e violência
O ex-presidente fez a afirmação ao ser questionado pelo apresentador “Vilela” se o episódio de Zambelli correndo com uma arma em punho pelas ruas do bairro Jardins, atrás de um petista, um dia antes da votação no segundo turno, não teria atrapalhado. Sem hesitação, Bolsonaro disse que sim. E que, sem dúvidas, a deputada teria sido a grande culpada por não ter sido reeleito. Na avaliação de Bolsonaro, a cena, bem explorada pela Rede Globo, contribuiu para convencer o eleitor que não queria votar no Lula a não votar nele, preferindo a opção do voto nulo. “Muitos eleitores devem ter pensado que sou armamentista e defendo soluções, para tudo, na bala. Mas sempre defendi que o cidadão de bem possa contar com uma arma pra se defender da criminalidade, apenas”, disse.
O governador Tarcísio de Freitas concordou completando que São Paulo ia bem nas intenções de voto para Bolsonaro até o episódio da Carla Zambelli. ”Pelo menos, só em São Paulo, Bolsonaro deve ter perdido um milhão de votos às vésperas das eleições“, avaliou.
Deslealdade
Ao culpar Zambelli pela derrota eleitoral, o ex-presidente desmonta a própria alegação repetida a exaustão de que as urnas eletrônicas não são confiáveis e que as eleições de 2022 foram fraudadas. Além do mais, culpar uma leal aliada pela derrota eleitoral é uma clara demonstração de falta de gratidão e lealdade a aliados de longa data. Se Carla Zambelli errou, e errou feio, foi única e exclusivamente por influência de Bolsonaro. Quem esquece daquela fala do ex-presidente em que incitou: ”vamos metralhar petistas”?. E as “arminhas” feitas em gestos com as mãos, que se tornaram icônicas do bolsonarismo?
Desespero
A impressão que se tem é que Bolsonaro entra em desespero e nem sabe, ao certo, explicar por quê perdeu as eleições presidenciais. Então, especula uma ideia aqui, daqui a pouco, especula outra coisa acolá… Falta-lhe autocrítica, bem como humildade para reconhecer que errou em muitos aspectos. Principalmente, no enfrentamento à pandemia, a grande pedra no sapato de seu governo. Suas falas em desprezo aos doentes e mortos por Covid-19 foram fatais para a não-reeleição. Arriscaria dizer que, se não fosse a pandemia e todas as trapalhadas do governo (em especial, sobre o que falou, mais do que o quê fez), Bolsonaro teria sido reeleito com grande vantagem.
“Perseguição política”
O ex-presidente, também, pareceu perdido em suas ideias contraditórias na coletiva de imprensa, logo após o julgamento no STF que o tornou réu. Voltou a retórica vitimista de “perseguição política” ao avaliar o julgamento. Voltou a colocar em dúvida a segurança das urnas eletrônicas, atacou o ministro Alexandre de Moraes e disse que, se for preso, vai dar trabalho.
“Réu confesso“
Ainda afirmou que “discutir hipótese de golpe não é crime”. Com essa declaração, terminou por confessar que discutiu a hipótese de golpe. Praticamente, declarou-se, diante de toda a imprensa, um “réu confesso”. Ora, quem discute a hipótese de golpe já estaria tentando um golpe, não, é mesmo? Principalmente, quando se encontra uma minuta pronta do golpe em sua sala e se convoca reunião com militares para discutir a probabilidade de um golpe militar. Obviamente, se o golpe tivesse dado certo, Bolsonaro não estaria prestes a ser julgado por tal crime. Então, só se pode julgar uma tentativa de golpe que terminou em fracasso. Alegar que o golpe não se concretizou como “prova” de inocência é bastante hilariante. Houve uma série de atos preparatórios para a tentativa de golpe ao longo de uma linha de tempo de meses antes das eleições.
Narrativa política
Enfim, Bolsonaro tem recorrido à narrativa política ao falar com a imprensa, deixando a estratégia jurídica para seus advogados. Mas tudo o que falar será usado contra ele. Quando diz que vai dar trabalho se for preso, o que estaria insinuando? É o que já se discute na imprensa. Talvez, esteja se referindo a atividade das milícias digitais em prol de uma narrativa favorável, recheada de “fake news”, vale lembrar. Ou a uma eventual radicalização da militância nas ruas, promovendo-se novos ataques violentos às instituições… Mas não é de se duvidar de uma eventual fuga do ex-presidente, uma tentativa de busca de asilo político no exterior, caso seja condenado. Trump estaria disposto a acolher um estrangeiro sem passaporte?
Mitificação
Outra dúvida, ainda, é sobre o futuro do bolsonarismo. Análises na imprensa defendem que o movimento político estará liquidado, em caso de prisão do líder. Que o ex-presidente será abandonado por aliados. Uma especulação bastante arriscada. O presidente Lula, mesmo preso, reuniu uma militância expressiva nos acampamentos na sede da Polícia Federal, em Curitiba, onde esteve preso. Lula voltou da prisão ainda forte o suficiente para vencer as eleições presidenciais. Com Bolsonaro, poderá acontecer algo semelhante? Não seria surpreendente que Bolsonaro preso consiga atrair ainda mais simpatizantes, criando uma aura de “herói injustiçado e perseguido”. Fazendo jus ao codinome ”mito” dado por seus seguidores e apoiadores. O Brasil, realmente, não é para amadores…