Duas notícias alvissareiras. A primeira é a da aprovação pelo Senado americano da primeira juíza negra na Suprema Corte do país, Ketanji Brown Jackson, por indicação do presidente Joe Biden, no lugar do magistrado Stephen Bryer, que vai sair em breve. A segunda boa informação é a suspensão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos pela maioria dos membros da Organização das Nações Unidas (ONU).
Ambas estão ancoradas nos valores do Estado Democrático de Direito, a primeira com realce para o conceito de direitos e justiça para todos, sem preconceito de gêneros, cores e raças, e a segunda estimulada pela cruel mortandade em Butcha, cidade da Ucrânia, onde a Rússia teria cometido um massacre contra civis em fuga no conflito que ali se desenvolve há quase dois meses.
A democracia estaria ganhando de lavada não fossem os contrapontos que se formam no interior das próprias decisões que denotam avanço dos sistemas democráticos. A começar pela derrota de Donald Trump, que lutou de maneira desbravada na justiça americana para provar ter havido fraude nas eleições.
Quando imaginávamos que Trump significasse um furacão fora de estação, não é que ele, refugiado em suas magníficas propriedades na Flórida, continua a atirar a torto e a direito, sob os índices de queda de popularidade de Joe Biden, de quem se esperava ser a estrela brilhante no horizonte da democracia americana? O fato é que o ricaço não abandonou a política e mais parece um guerrilheiro ensaiando a nova batalha que travará em 2024.
Significa intuir que o conservadorismo está longe de ser banido dos vãos da democracia. Aqui e ali, sinais, mesmo não tão próximos, transmitem a impressão de que os conservadores estão fincando estacas fortes nos férteis terrenos democráticos.
Uma prova disso é Marine Le Pen, de 53 anos, que vai para o segundo turno das eleições na França com Emmanuel Macron.
A vitória, mais que expressiva, de Viktor Orbán, para ser o premier da Hungria, é mais um exemplo de como o conservadorismo vai enxertando as hortas da democracia pelo continente europeu. Orbán é um dos amigos de Vladimir Putin. Se formos dar uma olhada no nosso continente, poderemos até comentar que a vitória de Gabriel Boric, de 36 anos, no Chile, é sinal de renovação.
No Peru, protestos contra o governo de Pedro Castilho são respondidos com repressão e toque de recolher. Bolhas de insatisfação explodem em diversos recantos do planeta, a comprovar que os sistemas democráticos padecem por conta de demandas reprimidas das massas. Os liberais tampouco têm conseguido atender aos reclamos e expectativas das populações, razão pela qual o ambiente geral de indignação dá guarida aos governos autoritários.
Aliás, é sensível essa guinada autoritária, segundo reconhece a historiadora Lilia Schwarcz, ao lembrar que o mundo “está reagindo às crises recessivas com governos populistas”, que mais sensibilizam as populações. Para ela, no caso brasileiro, o PT e o PSDB fizeram um pacto por mais de 30 anos, cujo objetivo era se perpetuarem no poder, deixando de olhar para setores que estavam desgostosos com a política.
Entre as questões polêmicas entre os dois partidos está a do meio ambiente, que bate de frente com o setor do agronegócio, a par das políticas de inclusão social pela educação. Os setores mais progressistas enfrentam os núcleos mais autoritários, faltando uma intermediação que faça confluir o jogo de interesses. Este será um tema na mesa do debate eleitoral. Donde emerge a interrogação: como reagirão as massas carentes ante temáticas que muito as afligem, como o alimento barato, o transporte rápido e eficiente, o sistema hospitalar bem desenvolvido?
Teremos uma campanha onde o vetor autoritário será tão forte quando o pensamento progressista. E o populismo dos programas de auxílio será fundamental para a decisão sobre o voto. Vivemos, por enquanto, um clima ainda ameno. Que tende a esquentar a partir de agosto. A especulação grassará intensa. Mas ninguém pode se considerar vencedor. Nem mesmo franco favorito. O verso, por estas plagas, às vezes é lido pelo reverso.