Poucos dias depois da celebração do Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, o machismo na política e na sociedade entrou na pauta de discussões da imprensa após fala machista do presidente Lula. O presidente da República, ao falar da nomeação da deputada federal e presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, para o cargo de ministra das Relações Institucionais, disse que colocou “essa mulher bonita” para fazer a aproximação entre o Palácio do Planalto e os presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, David Alcolumbre.
Manchetes distorcidas
A imprensa não perdeu tempo e distorceu um pouco a fala de Lula, criando manchetes sobre o presidente ter dito que teria nomeado Gleisi por ela ser bonita. Contudo, não foi exatamente isso que Lula disse. “Uma coisa, companheiros, que eu quero mudar, estabelecer relações com vocês. Por isso, coloquei essa mulher bonita para ser ministra das Relações Institucionais, é que eu não quero ter distância de vocês”, afirmou o presidente da República.
Beleza desnecessária
Foi desnecessário referir-se a beleza? Foi. Lula poderia ter utilizado adjetivos mais apropriados ao cargo? Sim. Poderia e deveria. Até quem não simpatiza com as ideias e trabalho de Gleisi Hoffmann, e não encontra a menor afinidade a ideologia defendida pela deputada, há de reconhecer que a petista é uma das mais leais companheiras de Lula. Além de apresentar outras qualidades, a exemplo de ser bastante aguerrida na defesa do que acredita. Gleisi sempre foi uma das mais aguerridas críticas a Operação Lava-jato, por exemplo. Tem sido uma das mais duras críticas a política de sucessivas altas de juros pelo Banco Central e a algumas diretrizes da política econômica do ministro Haddad. Certa ou errada em seus posicionamentos, trata-se de uma mulher corajosa e combativa na defesa de suas ideias. É trabalhadora, dedicada e inteligente. Mas o Lula vai lembrar só da “beleza” ao falar publicamente da nomeação de uma mulher a um cargo tão importante como o de ministra…
Oportunismo da direita
A direita aproveitou-se de mais esse deslize machista de Lula e fez uma enxurrada de críticas. O deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), ao criticar, ironicamente, o machismo de Lula, terminou por revelar um machismo maior ainda. Baixou o nível, apelou, mesmo. Disse que Lula estaria bancando o “cafetão” ao colocar Gleisi para intermediar as relações com o Congresso Nacional como quem oferece uma “garota de programa“ aos parlamentares. Gayer estava preocupado com a dignidade de Gleisi e a defesa das mulheres, o combate ao machismo? Não, obviamente. Quis apenas provocar a esquerda, que calou-se diante do machismo do presidente Lula. Além de naturalmente apontar que o machismo quando vem da esquerda é aceitável, normalizado. Ora, mas terminou por revelar um machismo mais desrespeitoso ainda.
Baixaria nas redes sociais
Não contente, Gayer ainda foi às redes sociais e apelou à baixaria total. Escreveu um post digno de bordel, de cabaré. O parlamentar referiu-se a um possível “trisal” entre Gleisi, David Alcolumbre e o deputado líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, que é companheiro da ministra recém-nomeada. E pergunta: “Lindbergh aceitaria um trisal com Alcolumbre?”. O presidente do Senado, David Alcolumbre, indignado, disse que vai denunciar o deputado ao Conselho de Ética e tomar todas as providências cabíveis contra Gayer.
Comunicação do governo
Vejamos o estrago que uma simples palavrinha mal colocada pode causar. Políticos devem medir muito bem as palavras ao discursar ou falar com a imprensa. Lula foi machista. Gayer foi mais ainda. Enfim, os críticos ao machismo de Lula nem têm moral para defender as mulheres.
Beleza e luta das mulheres
E ainda há quem diga que o Dia Internacional da Mulher é uma data desnecessária. Quando a mulher é feia, ”não merece ser estuprada”. Quando é bonita, foi promovida devido a beleza e não se menciona outros atributos verdadeiramente pertinentes ao cargo. Esses comportamentos e comentários machistas são encontrados frequentemente em nossa sociedade. Obviamente, não se restringem ao meio político. Contudo, políticos deveriam dar o exemplo no combate ao machismo e misoginia. Tanto se fala em garantir mais espaço a mulher na política. Mas a luta não é apenas por espaço, por cargos eletivos e de nomeação, por candidaturas. A luta é por mais respeito e dignidade. E respeito e dignidade podem ser verificados, ou não, em situações corriqueiras, aparentemente menores, quando homens interrompem a fala de mulheres profissionais em reuniões e situações de trabalho, em geral. E em falas e discursos como esse do presidente Lula e de Gustavo Gayer.
Respeito e dignidade
Mulheres querem ser valorizadas, respeitadas e reconhecidas pela competência, inteligência, capacidade de trabalho, expertise e coragem, caráter e personalidade. Beleza ou ausência dela deveriam ser irrelevantes nas relações profissionais.
Preconceito contra a mulher bonita
Há um certo preconceito contra a mulher bonita, também. Frequentemente, são vistas como burras, incompetentes, “fáceis” com os homens, frívolas, vaidosas e superficiais. Como se a mulher bonita não pudesse oferecer outros atributos. É comum mulheres bonitas, quando promovidas em ambiente profissional, serem alvos de fofocas e insinuações. Eu, mesma, já ouvi fofoca em ambiente profissional, a respeito de colega promovida, quando insinuações maldosas foram feitas na redação: “Também, ela só anda de minissaia”, disseram. Comentários feitos por outras mulheres, colegas de profissão, vale ressaltar. Lamentavelmente, o machismo não está só nos homens.