quinta-feira, 19 de setembro de 2024
Leilão duvidoso para importação de arroz agrava crise entre governo e a bancada do agro

Vanessa Martins de Souza

Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

Leilão duvidoso para importação de arroz agrava crise entre governo e a bancada do agro

O que começa mal, tende a terminar mal. Pois, foi o que aconteceu com a tentativa do governo Lula de importar arroz para conter a alta nos preços do produto no mercado interno, muito mais em razão da especulação do que, de fato, por risco de desabastecimento devido às inundações no Rio Grande do Sul. No dia 11, terça-feira, a Conab – Companhia Nacional de Abastecimento anunciou o cancelamento do leilão para importação de arroz, realizado no último dia 6. Afinal, pegou muito mal a denúncia, pela Folha de São Paulo, de que, das quatro empresas vencedoras do certame, apenas, uma era do ramo de importação.

 

Empresas desqualificadas

Nas redes sociais, a notícia repercutiu com a dimensão de um verdadeiro escândalo devido a fortes suspeitas de fraude na concorrência. Não era para menos. A vencedora do principal lote tratava-se de uma lojinha de queijos e laticínios em Macapá, no Amapá. Estranhamente, o capital social da empresa saltou de R$80 mil para R$5 milhões a uma semana do leilão. Esta empresa iria importar a maior parte das 267 mil toneladas previstas, cerca de 147.300 toneladas, recebendo R$730 milhões do governo federal. As outras duas empresas vencedoras, também, são muito suspeitas por igualmente não apresentarem experiência alguma com importações. Uma delas, uma fábrica de sorvetes e a outra uma locadora de máquinas.

 

Ligações inapropriadas

Para piorar, houve a denúncia de que o filho do secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, é sócio do presidente da Bolsa de Mercadorias do Mato Grosso, Robson França, em uma corretora. A Bolsa do Mato Grosso foi onde 44% das negociações para a compra de 263 mil toneladas foram feitas. França, aliás, já foi assessor do secretário Neri Geller quando este último era deputado federal. A divulgação da sociedade entre o filho de Geller e o presidente da Bolsa de Mercadorias exerceu um desgaste político tão grande que levou ao pedido de demissão do secretário do Ministério. Pedido que foi aceito pelo presidente Lula, que já vinha demonstrando preocupação com todas as suspeitas a respeito da qualificação financeira e técnica das empresas vencedoras. O resultado do leilão só se agrava quando se acrescenta o fato de uma das empresas vencedoras apresentar “ficha suja”. Pertence a um empresário de Brasília que já confessou à Justiça ter pago propina para conseguir um contrato com a Secretaria de Transporte do Distrito Federal. O leilão definitivamente estava “bichado“.

 

Modelo de leilão duvidoso

De acordo com a Conab e o Ministério da Agricultura, o grande problema foi o modelo de leilão utilizado, onde não seria possível conhecer quais são as empresas concorrentes antes do anúncio das vencedoras. O modelo “Bolsa de Mercadorias” funcionaria de tal forma que só se descobre que as empresas vencedoras não são do ramo depois do anúncio do resultado do leilão. O objetivo do governo é realizar outro leilão, em um modelo que permita mais transparência e segurança jurídica, mas ainda sem data marcada. A Advocacia Geral da União (AGU) e a Controladoria Geral da União (CGU) deverão apoiar e ajudar o governo na revisão dos mecanismos estabelecidos para leilões.

 

Oposição comemora

Mas se depender da oposição ao governo na Câmara dos Deputados e da bancada ruralista, este novo leilão não sai. Ruralistas e a oposição estão comemorando o fracasso do governo na tentativa de importar arroz. Desde o anúncio da intenção do governo de importar um dos principais alimentos na mesa diária do brasileiro, os produtores rurais têm se revelado indignados com a decisão. Alegam que 80% da safra de arroz já havia sido colhida antes das enchentes e que não haveria desabastecimento.

 

Tendência de alta nos preços

Porém, a questão não é essa. O governo Lula decidiu pela importação devido a alta nos preços após as enchentes. Houve um início de uma especulação de preços em função de boatos sobre desabastecimento. E convenhamos, o preço do arroz já vinha sofrendo sucessivas altas nos últimos anos. E ainda pelas dificuldades de logística na distribuição da safra, considerando, também, que boa parte do arroz armazenado nos silos teria sido perdida com as inundações. O presidente optou pela importação pensando na venda subsidiada, sem taxa de importação, para atender à população em situação de insegurança alimentar. O arroz seria distribuído nas regiões metropolitanas selecionadas com base em indicadores de insegurança alimentar. E não seria distribuído aos atacadistas que comercializam o arroz nacional. O preço, tabelado e subsidiado, seria de R$ 20,00 o pacote de cinco quilos.

 

Ausência de diálogo

Entretanto, antes da decisão, não houve nenhuma conversa do governo com os produtores de arroz nacional. A maioria deles, no Rio Grande do Sul, que responde por 70% da produção nacional. Os outros 15% são produzidos por Santa Catarina e o restante por outros estados brasileiros. Num momento em que o governo vinha começando a estabelecer um diálogo com parte da bancada ruralista, opta, unilateralmente, por importar arroz em meio a uma crise sem precedentes no Rio Grande do Sul. Uma decisão que começou errado, e que ganhou uma torcida frenética da oposição para que desse tudo errado, só podia acabar errado. Houve até disparos em massa de fake news sobre o arroz importado. Inventaram que viria da China, que continha plástico…

 

Medida populista

O presidente Lula, com certeza, tinha a expectativa de, não, somente, garantir a segurança alimentar dos mais vulneráveis com a venda de arroz mais barato, mas, evidentemente, capitalizar aprovação popular a partir de uma medida populista. Comprar arroz subsidiado, a preço tabelado, a ser vendido a R$4 o quilo, seria o novo “Bolsa Família” deste “governo Lula 3”. Bem poderia revelar-se um bom “carro-chefe” da campanha à reeleição. Haveria dois selos do governo nos pacotes de arroz, inclusive.

 

Pressão popular

Contudo, as coisas desandaram. Atualmente, as redes sociais não deixam passar uma história confusa, no mínimo, suspeita, em branco. Além da pressão dos deputados da oposição, houve pressão popular. O caso caiu na boca do povo e, por decisão do próprio presidente Lula, a Conab anunciou o cancelamento do leilão.

 

“CPI do Arroz”

Mesmo com o cancelamento, a oposição sinaliza que não deixará por menos. Mobiliza-se para instalar uma CPI para investigar suspeita de fraude e até de cartel. O deputado Luciano Zucco (PL-RS) diz que já coletou cento e dez assinaturas e promete conseguir as 171 assinaturas mínimas necessárias para instalação da CPI, até o fim de semana. E avisa que vai articular com Arthur Lira para que o pedido de abertura da “CPI do Arroz” não seja engavetado.

 

Diálogo com o agro

Se essa empreitada der certo, o presidente Lula enfrentará um crescente desgaste com a bancada do agro, que tem ainda parte de seus membros muito insatisfeita com o governo federal. A importação de arroz foi a gota d’água para a instalação de uma crise gerada por insatisfações diversas que vêm desde o primeiro ano de mandato. Lula terá de encontrar um bom substituto para Geller, que era o principal interlocutor do governo com os parlamentares do agro. Talvez, até trocar de ministro da Agricultura.

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