Sem causar nenhuma surpresa, o presidente Lula vetou, parcialmente, no último dia 20, o Projeto de Lei aprovado no Congresso Nacional que estabelece o Marco Temporal para demarcação das terras indígenas.
O principal item do projeto, o referido ‘Marco Temporal’ (que estabelece a data de 05 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal) foi vetado. A decisão do presidente da República pode gerar uma crise sem precedentes com a poderosa bancada ruralista no Congresso Nacional. A bancada, somada a outras frentes ligadas à oposição ao governo, promete aprovar a derrubada do veto presidencial. O Congresso tem até três meses para apreciar os vetos, mas, de acordo com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o objetivo é derrubar os vetos o quanto antes.
Para derrubar vetos presidenciais, são necessários os votos de pelo menos 257 deputados federais e 41 senadores. ”A Frente Parlamentar da Agropecuária, bancada temática e suprapartidária informa que os vetos realizados pela Presidência da República à Lei do Marco Temporal serão objeto de derrubada em sessão do Congresso Nacional”, disse a Frente, em nota.
Crise Congresso X STF
A tese do Marco Temporal tem sido o pivô da crise instalada entre Congresso Nacional, de um lado, e o STF e governo Lula, de outro.
O tema vinha sendo debatido no Congresso e no STF, paralelamente. Segundo a tese do Marco Temporal, a demarcação de terras indígenas só pode ocorrer em comunidades já ocupadas por indígenas quando a Constituição Federal foi promulgada, em 5 de outubro de 1988. Ambientalistas e lideranças indígenas a rejeitam sob o argumento de que muitas comunidades foram expulsas de seus territórios originais antes de 1988. Já os proprietários de terras, alegam que o não estabelecimento de um Marco Temporal pode causar insegurança jurídica, abrindo precedentes para que áreas ocupadas por não-indígenas possam ser reivindicadas como terras indígenas mesmo que elas não estivessem sendo ocupadas por povos originários antes da promulgação da Constituição.
Lula sob pressão
O presidente Lula foi muito pressionado por ambientalistas e movimentos indígenas para que vetasse integralmente o projeto. Mas, também havia pressão dos parlamentares da base governista, que aconselharam o presidente a não gerar mais atrito ainda com a bancada do agro. Contudo, em campanha, Lula havia se comprometido com a causa indígena e ambientalista.
Itens vetados
O petista também vetou outros itens aprovados pelo Congresso, a exemplo do item que prevê a possibilidade de arrendamento de terras indígenas para não-indígenas; além do item que permite o cultivo de alimentos transgênicos nessas áreas e o que abre brechas na política de não contato com indígenas isolados.
O presidente da FPA, deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), criticou os vetos de Lula e avisou que a bancada ruralista está pronta para mais um embate com a ala governista. Classificou de desrespeitosa à maioria do Congresso Nacional a decisão dos vetos. Segundo o parlamentar, já há os votos necessários para derrubada dos vetos.
Propostas de Emendas à Constituição
Além de se mobilizar para derrubar os vetos, a FPA deverá tentar acelerar a tramitação de duas propostas de emendas à Constituição (PECs) que tratam do assunto. Uma delas, a PEC 48, restabelece a tese do Marco Temporal. A outra, a PEC 132, prevê o pagamento de indenização a proprietários que tenham suas terras convertidas em terras indígenas. Por se tratar de uma PEC, as mudanças propostas não estariam sujeitas à sanção presidencial e abririam menos margem para contestação junto ao STF, uma vez que alterariam o texto constitucional.
Invasões de propriedades rurais
Enquanto isso, proprietários de terra temem perder suas propriedades e se preparam para uma “guerra no campo”, se necessário. Teme-se inclusive, o uso dos indígenas pelo MST para promoção de invasões de propriedades.
Desta vez, o presidente Lula comprou uma briga feia com a bancada mais poderosa no Congresso. Um desgaste desnecessário, uma vez que seu governo já se encontra refém do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Centrão, cujo apetite por cargos parece insaciável. E sem o oferecimento da garantia de “amor eterno” e fidelidade ao governo “pro que der e vier” mesmo quando este apetite é saciado, temporariamente.