A Sanepar anunciou que se os reservatórios de água chegarem a 25% terá de endurecer ainda mais o racionamento em Curitiba e Região Metropolitana. De fato, esta é a maior crise hídrica enfrentada na região em décadas. A falta de chuvas tem sido uma constante ao longo de 2020. Aliás, os prognósticos não são animadores. A empresa calcula que possivelmente enfrentaremos racionamento até julho de 2021, se a previsão de chuvas abaixo da média se confirmar para o período. Vale lembrar que o regime de chuvas tem sido alterado em grande parte do país, como Sul, Sudeste e Centro-Oeste já há bons anos, como um efeito das mudanças climáticas globais. E não é uma coincidência o fato de estarmos enfrentando um clima bastante seco ao mesmo tempo em que ocorrem queimadas e desmatamento na Amazônia. Há quem acredite que lutar pela preservação do meio ambiente é ser contra o progresso e o desenvolvimento. Mas a ciência demonstra que não há desenvolvimento sustentável a longo prazo sem cuidado com o meio ambiente.
“Rios voadores”
O regime de chuvas na América do Sul é influenciado pela presença da imensa floresta amazônica. Isso porque a floresta amazônica funciona como um sistema de refrigeração. Para se ter uma ideia, uma única árvore robusta, com 20 metros de copa, por exemplo, bombeia por volta de 1.100 litros de água para a atmosfera em um único dia. Essas massas de ar com o vapor da transpiração da floresta, são os chamados “rios voadores”, que transportam umidade da bacia amazônica até o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, e países vizinhos. Com menos árvores na floresta, há menos umidade no ar. E menos chuvas. O processo de formação dos rios voadores começa originalmente no oceano Atlântico. A floresta amazônica funciona como uma bomba d’água, puxando para dentro do continente a umidade evaporada no mar. Já em terra, a umidade cai como chuva sobre a mata. E depois, as árvores devolvem vapor d´água para a atmosfera, que são transportados pelos ventos às demais regiões do país: Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Agronegócio prejudica e é prejudicado
Não deixa de ser uma triste ironia que tantos que defendem o desenvolvimento econômico não se deem conta que este será afetado se a questão ambiental for negligenciada. A começar pelo abastecimento de energia elétrica que vem das hidrelétricas, a exemplo da monumental Itaipu Binacional. Com pouca vazão de água, menos força para gerar energia. O que leva a se recorrer às termelétricas, que oferecem maior custo de produção encarecendo o preço final da energia para o consumidor. Com energia elétrica mais cara, os custos de produção na indústria se elevam, aumentando os preços dos produtos ao consumidor. Outra área amplamente afetada é o agronegócio. O agronegócio é ao mesmo tempo causador do desmatamento, assim como sofre seus impactos negativos. Falta de chuvas prejudica as safras, obviamente. O cultivo de arroz, por exemplo, demanda amplos sistemas de irrigações. O agronegócio vem sofrendo prejuízos decorrentes da seca, mas, também é causador das alterações do regime hídrico. O desmatamento na Amazônia, voltado para pecuária, agricultura e exploração madeireira, impacta na diminuição de chuvas no Brasil e em outros países da América Latina. Cientistas e pesquisadores estimam que com o desmatamento crescente na Amazônia, o agronegócio e a geração de energia podem entrar em colapso no Brasil.
Prejuízos à lavoura
O descaso com a preservação do meio ambiente no país, em especial com a Amazônia, talvez só provoque alguma reação eficaz das autoridades governamentais quando o próprio agronegócio estiver sendo afetado com duras perdas. No Paraná, os prejuízos já chegaram à lavoura, tendo afetado a safra de verão 2019/20. Com o déficit de chuvas em toda a região sul, os prejuízos chegaram à lavoura, afetando a safra de verão 2019/20. De acordo com o Relatório do Departamento de Economia Rural (Deral) do Governo do Estado, houve perdas na produção de milho e feijão na última safra de verão. Santa Catarina e Rio Grande do Sul também enfrentam perdas por causa da estiagem nos últimos dois anos.
Economia e meio ambiente
Enfim, enquanto continuarem dissociando economia e meio ambiente, não há desenvolvimento que se sustente no país a longo prazo. Não seria exagero dizer que a floresta amazônica é nosso reservatório de água e, sem água, a economia brasileira baseada no agronegócio, não se sustenta. Sem água, sem chuvas, sem energia das hidrelétricas, sem safras, o que esperar além do caos econômico, social e ambiental? Alegar que é preciso “explorar” a Amazônia para gerar empregos é uma falácia. As principais ações responsáveis pelo desmatamento na região, como queimadas e pecuária extensiva, não têm gerado empregos em números significativos, como ainda prejudicam a renda de agricultores sérios e honestos, que são afetados pelos impactos dessas atividades.
Ideologias e ciência
Ao invés de nos atermos a discursos ideológicos, em que esquerda e direita acusam-se mutuamente pelas queimadas, seria muito mais inteligente ouvir o que diz a ciência. Novamente, a tão negligenciada ciência neste ano de 2020 ganha um papel fundamental. Entender que não há desenvolvimento sustentável a longo prazo sem preservar nossas florestas já é um bom começo. Entender que nenhuma área ou aspecto funcionam de modo isolado e que todo o planeta é um ecossistema integrado no qual ao mexer-se numa ponta acarreta-se consequências na outra ponta, numa cadeia de consequências, melhor ainda. O futuro requer lideranças políticas e empresariais, economistas e cientistas, que saibam pensar o progresso de forma em que caiba nele a própria sobrevivência humana, que também está ameaçada junto com outras espécies animais a partir do descaso ao meio ambiente.