por Vanessa Martins de Souza
A mudança de posicionamento do Ministério da Saúde na divulgação do número de mortes por Covid-19 no país tem causado muita desconfiança, gerando suspeitas de falta de transparência. Para muitos analistas, o intuito seria “baixar” os números para justificar uma retomada imediata da economia. Já no boletim de sexta-feira (5), o Governo Federal deixou de apresentar o número total de mortes por Covid-19 desde o início da pandemia, informação que sumiu do site oficial sobre a doença. Os balanços também passaram a ser publicados somente às 22 horas.
Sobre a mudança no horário, o presidente Bolsonaro não tem escondido de ninguém que a decisão de atrasar a divulgação de dados foi para atrapalhar as pautas sensacionalistas do Jornal Nacional. Porém, o tiro saiu pela culatra. Uma vez que, na sexta- feira (5), William Bonner deu um jeito de “escandalizar” fazendo uma chamada de plantão, assim que a divulgação do número de mortos do dia veio a público. O plantão do JN entrou no ar em meio à veiculação da novela das nove. Gostando-se ou não da Rede Globo, não se pode subestimar a emissora mais poderosa do país.
Mudança de metodologia
Acredito que a estratégia do presidente de não dar manchete para a Rede Globo tem demonstrado que não está funcionando, já que o Governo Federal tem sido acusado de faltar com a transparência nos dados sobre a pandemia. Por outro lado, Bolsonaro comentou um dado pertinente que não pode ser desprezado. Disse que o Ministério somente irá divulgar as mortes ocorridas realmente nas últimas 24 horas, no balanço do dia. Os demais óbitos se somarão ao total de casos, não sendo mais divulgados como ocorridos no prazo de um dia. Isso porque, até, então, os falecimentos no período representavam o acumulado de notificações dos últimos dias ou até semanas. Ou seja, nem todas as mortes divulgadas no balanço do dia realmente ocorreram no tempo citado. Tratavam-se dos registros nas últimas 24 horas à medida em que os dados e os resultados dos testes feitos em dias ou semanas anteriores vinham sendo enviados ao Ministério.
Metodologia mais realista
Logo, nesse sentido, Bolsonaro acerta ao frisar que a forma como os números vinham sendo divulgados causavam uma falsa impressão da realidade. Pois, dificultavam chegar-se a uma avaliação sobre o quadro real da pandemia no momento.
Todavia, o Ministério da Saúde erra ao não mais divulgar o somatório, impedindo que se tenha uma noção de quantas mortes para além das últimas 24 horas ocorreram. O correto seria divulgar separadamente o número total de falecimentos. Dessa forma, realmente poderíamos contar com um quadro mais aproximado da realidade sobre o estágio da pandemia. Sem transparência total nos dados, torna-se impossível traçar uma avaliação precisa sobre em que pé estamos. A curva de contágio teria chegado ao pico? Senão, quanto tempo faltaria e quando seria possível retomar a economia com segurança?
Mortes nas últimas 24 horas
Houve dois dias ao longo da semana passada em que o número de mortes superou mil. Quem assiste ao noticiário assusta-se e obtém, talvez, a falsa impressão de que a pandemia estaria avançando. Entretanto, da forma como vinha sendo divulgado, com o somatório do acumulado de mortes nos últimos dias, e não somente as mortes realmente ocorridas nas últimas 24 horas, não se pode ter uma ideia do estágio do curso da pandemia em que nos encontramos no momento atual.
Outro dado crucial é a frequente diminuição no registro de mortes aos finais de semana, em razão da desaceleração do ritmo de trabalho das secretarias de saúde aos sábados e domingos. Nas terças-feiras, e, principalmente, às quartas e quintas, os números costumavam explodir, representando o acumulado dos registros dos últimos dias.
Ministério Público Federal cobra transparência
O Ministério Público Federal abriu um procedimento extrajudicial para apurar o atraso e a omissão na divulgação de dados sobre o novo coronavírus no país. Procuradores enviaram pedido de cópia dos atos administrativos do Ministério da Saúde que resultaram nas mudanças, cobrando esclarecimentos sobre os fundamentos técnicos do caso. O MPF também quer saber qual foi a urgência que motivou a retirada imediata do número de mortos do painel de vítimas do Covid-19 e por qual motivo técnico se faz necessária a revisão dos óbitos pela doença. Os pedidos foram encaminhados ao ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, com prazo de resposta em até 72 horas.
Acusações de supernotificação a governadores
O Ministério Público cumpre seu papel ao exigir transparência. A população brasileira e a imprensa têm direito ao acesso à informação de interesse público. Mas, também é preciso cobrar transparência dos governadores e prefeitos. Refiro-me especificamente àqueles que estão em pé-de-guerra declarado com o presidente Jair Bolsonaro, a exemplo do governador João Dória, de São Paulo, e de Wilson Witzel, do Rio de Janeiro. Pois, têm viralizado depoimentos nas redes sociais, feitos pela própria população, de que tais governadores estariam inflando, supernotificando os números de mortes por Covid-19, para justificar gastos superfaturados em compras sem licitação. Nenhum depoimento conseguiu provar nada, ficando a critério de cada internauta tirar sua própria conclusão. Mas, que é muito estranho, é, tantos depoimentos de pessoas anônimas relatando a mesma coisa. Todos estariam sendo pagos pelo suposto “gabinete do ódio” comandado pelo filho do Bolsonaro, – “o número 2” – ou haveria alguma verdade nesses relatos?
Espanha também muda metodologia
Também é interessante ressaltar que mudança na metodologia de divulgação dos números de mortos foi adotada recentemente na Espanha, conforme matéria no site G1, do último dia 5. O governo espanhol, de esquerda, também passou a divulgar somente o número de mortes ocorridas realmente nas últimas 24 horas, e, não mais, o acumulado que foi registrado no dia. A nova metodologia do Ministério da Saúde da Espanha lista, agora, apenas as mortes que aconteceram no período de um dia da divulgação dos dados. Antes, a contagem adicionava também as mortes registradas naquela data, mas que aconteceram em períodos anteriores, como os demais países, inclusive o Brasil, vinha fazendo. Naturalmente, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, foi duramente criticado pela oposição conservadora, sendo acusado de ocultar a realidade para incentivar a retomada econômica. Mas, a Espanha, ao contrário do Brasil, passa a usar a metodologia de divulgar as mortes excedentes do acumulado (aquelas registradas no dia, mas ocorridas em dias anteriores), em um balanço semanal. Metodologia que deveria ser aplicada no Brasil, também, para que a disputa política entre situação e oposição e a urgência pela retomada econômica (desafios que não são somente do Brasil) não ocorram penalizando-se a transparência.