por Antonio Carlos Lopes
A automedicação é um hábito para 77% dos brasileiros, segundo recente pesquisa do Conselho Federal de Farmácia (CFF). Quase metade (47%) recorre a fármacos sem prescrição médica ao menos uma vez por mês, e 25% o faz todo dia ou pelo menos uma vez por semana.
Quem mais recorre a essa perigosa escolha são as mulheres, que utilizam medicamentos ao bel prazer uma vez por mês. Os principais influenciadores da opção por remédio A ou B são familiares, amigos e vizinhos.
O aumento da rigidez na venda de medicamentos, sobretudo de anti-inflamatórios, parece não ter surtido uma melhora adequada do quadro. Claro que a situação seria mais grave, caso não tivéssemos leis para coibir o uso por conta própria.
Mesmo assim, os índices de automedicação aumentam celeremente, prejudicando tratamentos, agravando sintomas e piorando quadros clínicos.
Um complicador em situações do gênero é que o médico nem sempre é informado dos fármacos que o paciente adotou antes de chegar ao consultório. Fica assim uma brecha para a interação medicamentosa, que, em distintas oportunidades, possui consequências catastróficas.
O Brasil é um dos países que mais consome anti-inflamatórios comercializados sem receita médica no mundo. São remédios importantes e eficazes, quando administrados por um especialista, após diagnóstico apurado e preciso.
Tomá-los por impulso, sem indicação profissional, abre portas para consequências de risco, como hemorragias do aparelho digestivo, diabetes, insuficiência cardíaca e piora na função renal e hipertensiva.
É essencial frisar que há na literatura médica inúmeros registros até de mortes decorrentes da medicação exagerada.
Lamentavelmente, por mais que se fale sobre o tema, ainda existe uma carência de informação entre a população. Isso ocorre em virtude da falta de políticas públicas e do envolvimento de toda a sociedade em campanhas de conscientização.
Aliás, a imprensa é rara parceira nesse ponto, levando dados e orientações aos cidadãos. Mas fica um apelo para que adote essa causa permanentemente, para que possamos alcançar o maior número possível de pessoas.
É recomendável igualmente alterações na legislação, para a extensão da exigência de receita médica a um grupo mais abrangente de fármacos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) precisa mobilizar os atores do setor e a população nesse debate.
Reduzir os números de automedicação clamam por outras iniciativas urgentes e responsáveis. É mister que os pacientes tenham acesso agilizado em hospitais e unidades de saúde, já que é difícil resistir ao canto de sereia da automedicação em momentos de dor aguda, só para ficar em um exemplo.
Esclarecer a comunidade sobre a relevância do parecer do médico é essencial sempre; uma questão que pode ser solucionada com facilidade pelas autoridades do setor.
Enfim, é fundamental ter foco. Necessitamos de um sistema de saúde que, na prática, seja tão capaz quanto o SUS é na teoria. E nesse sentido não podemos deixar de considerar a queda do nível da relação médico-paciente e a diminuição da competência profissional, resultado da formação em massa em escolas desqualificadas. São fatores tão nocivos quanto à automedicação.
No momento em que os brasileiros tiverem de fato acesso universal e integral à assistência de qualidade, a automedicação não somente cairá vertiginosamente. Ela terá enfim seus dias contados.
Antonio Carlos Lopes, Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica