“O Brasil é um país onde até o passado é incerto”. Essa famosa citação do saudoso economista Roberto Campos continua mais atual do que nunca.Exemplo mais emblemático está na recente decisão do plenário do STF durante a última semana, cuja maioria de seus membros votou pela manutenção da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro no julgamento dos processos contra o ex-presidente Lula na operação Lava Jato. O placar foi de 7 a 2, e o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Marco Aurélio Mello. Porém, o resultado não pode mais ser revertido, pois, são onze ministros na Suprema Corte e nove deles já votaram. Votaram pela suspeição de Moro os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Carmen Lúcia, Dias Toffoli e, pasmem, o ministro indicado pelo governo Bolsonaro, Kassio Nunes Marques. Votaram contra apenas os ministros Edson Fachin e Luis Roberto Barroso. Faltam os votos do presidente do STF, ministro Luís Fux e do ministro Marco Aurélio Mello.
BARROSO VERSUS LEWANDOWSKI
O assombroso, nesse julgamento, foi verificar, durante o debate entre os ministros Barroso e Lewandowski, que a admissão de que se trata de provas ilícitas contra Moro – conversas hackeadas do Telegram divulgadas pelo jornal The Intercept – não seria motivo para não considerá-las. O debate acalorado entre os dois ministros, quando Barroso interpela Lewandowski de que se trata de provas ilícitas demonstra a dimensão da desfaçatez. Barroso questiona: ”ministro, pensei que o senhor fosse um garantista, trata-se de provas ilícitas”. Ao que Lewandowski responde: ”sim, são ilícitas. Mas são provas amplamente divulgadas na mídia e que não receberam nenhuma refutação consistente da parte dos suspeitos”. No caso, ele se referiu a Moro e aos procuradores da Lava Jato como, Deltan Dallagnol, que tiveram suas conversas hackeadas.
Quer dizer que “tudo bem” se as provas foram colhidas por meios ilícitos? Que não há problema algum em atropelar a Constituição Federal, que determina que provas ilícitas não são válidas em julgamentos? Chegamos a um ponto em que a afronta ao Estado de Direito tem sido indisfarçável no país, e perpetrada pelos próprios ministros do STF, que têm a prerrogativa de serem os guardiões da Constituição Federal.
“SAMBA DO CRIOULO DOIDO”
Com essa decisão, o ex-juiz Sérgio Moro foi declarado suspeito nos julgamentos de Lula, considerado parcial. E Lula, por sua vez, na prática, torna-se uma “vítima” do “grande vilão” Sérgio Moro. Tanto que o ex-presidente quer pedido de desculpas, comporta-se como vítima inocente, um injustiçado, e só falta pedir indenização. Se essa não é uma tentativa, infelizmente, bem-sucedida, de reescrever a história, de editar o passado, não sei o que é… Os ministros, muitos deles indicados por governos do PT, estão tentando transformar o ex-juiz em bandido. O cúmulo do absurdo aconteceu diante de uma população absolutamente envolvida em torpor causado pela pandemia e uma disputa ideológica insana, movida por uma polarização das mais ensandecidas. Vejamos, o ministro indicado por Bolsonaro, aquele que prometia em campanha, defender a Lava Jato, votou favoravelmente a Lula. A quem mais interessa essa polarização insana, movida pela cegueira ideológica?
POVO DIVIDIDO
Realmente, é de perdermos a esperança por dias melhores no combate a corrupção com tantos poderosos contra um país mais justo e combativo a impunidade. A grande questão é: onde está aquele povo que foi as ruas em 2013 pedindo o fim da corrupção, da impunidade? Onde está aquele povo que pediu pelo impeachment da Dilma em 2014, 2015? Estão divididos, por terem aderido a polarização Lula x Bolsonaro? Ou ainda restam alguns que conseguem indignar-se com coisas corriqueiras como, superfaturamento, desvio de recursos públicos, caixa dois para campanhas, não importa de que partido ou político venham? Ou estão quase todos agarrados a seus políticos de estimação e cegos para a realidade de que o sistema político, o tal “mecanismo”, apresenta meandros bem mais complexos que suas ideologias possam adivinhar?
NEGACIONISMO
Muito triste o que está acontecendo no país, uma tentativa das mais torpes de se reescrever a história. De modo semelhante ao que fazem certos negacionistas da história, ao negarem horrores como o Holocausto nazista, o Holomodor na Ucrânia, e a ida do homem a Lua. ”Sim, foi tudo armado nos estúdios de Hollywood, aquelas imagens do homem pisando na Lua, tudo cenário, uma farsa”, acreditam e divulgam alguns. As analogias são precisas para definir o que o STF tem feito contra a Lava Jato. E o mais irônico de tudo é que vota-se pela parcialidade de um ex-juiz num julgamento realizado por ministros que de imparciais não têm nada.