Em tragédias climáticas como a do Rio Grande do Sul, é comum haver um jogo de empurra-empurra entre autoridades públicas para não assumirem responsabilidades. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), tem sido muito criticado. Entre as acusações, está a de que, desde 2019, tem desfigurado o Código Ambiental do estado, alterando mais de 480 artigos da legislação, permitindo um afrouxamento das normas em desfavor da proteção ambiental. Autorizações para construção de barragens hidrelétricas em áreas não recomendadas estariam entre essas mudanças.
Tragédias sucessivas
O tucano nega essas acusações e alega que as alterações na legislação visam o incentivo a preservação, inclusive, premiando quem protege o meio ambiente. Também, já disse, nos primeiros dias da tragédia, que não era hora de procurar culpados. Contudo, esta não é a primeira tragédia ambiental em que os responsáveis passam ilesos, sem apurações e punições. O Rio Grande do Sul, por exemplo, já foi vitimado por enchentes em setembro do ano passado.
Ausência de prevenção
O Brasil, vale lembrar, é muito vulnerável a enchentes e deslizamentos de terra em vários estados, não, apenas, no Rio Grande do Sul. Santa Catarina, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e algumas localidades do Paraná também costumam ser atingidas por alagamentos e enchentes. Todos os anos, temos eventos desta natureza em diversas localidades sem que se fale com propriedade e consistência sobre os responsáveis. Muito menos, que se trabalhe na prevenção a novas tragédias. O resultado é uma atuação baseada unicamente em reparar os estragos, socorrer as vítimas, chorar os mortos e contar os prejuízos. Lamentavelmente, já virou rotina, todos os anos, a mesma história. Só variando a localidade do país a sofrer com enchentes.
Mudanças climáticas
Se prevenir é melhor que remediar, por que o Brasil não aprende? As mudanças climáticas são inegáveis. A cada mês, pioram a olhos vistos. As alterações no clima do país e no planeta estão se apresentando cada vez mais intensas e drásticas. E não há perspectivas de reequilíbrio do clima do planeta dentro dos próximos anos ou, talvez, décadas. Temos de aceitar a realidade e conviver com essa péssima perspectiva buscando, ao menos, minimizar os danos. E isso se faz com ações preventivas. Com políticas públicas permanentes e integradas a nível federal, estadual e municipal. Somente um trabalho integrado entre todas as esferas de poder, como política de Estado, pode trazer alguma perspectiva de melhora no quadro.
Eleições municipais
Em ano de eleições municipais, esse debate deve ser intensificado. Prefeituras também têm sua responsabilidade em diversas questões. Eleger prefeitos e vereadores sem compromisso com a defesa ambiental tem se tornado muito temerário. Já se cogita a necessidade de reconstruir cidades inteiras longe de áreas de risco no Rio Grande do Sul. Há municípios que realmente podem se tornar inviabilizados devido a riscos permanentes de novas enchentes. A permissão de construção de habitações em áreas próximas a rios, lagos, barragens e represas deve ser repensada. A recuperação da mata ciliar é outro ponto importante.
Arcabouço fiscal
O governador Eduardo Leite disse que serão necessários, pelo menos, R$19 bilhões para reconstrução do estado. Sem ajuda do governo federal, será impossível. O governo Lula terá de remanejar muito do Orçamento se realmente for capaz de enviar recursos a contento. Com os sérios problemas no arcabouço fiscal do governo, torna-se duvidoso que consiga suprir toda a demanda do Rio Grande do Sul. Parlamentares, em Brasília, também, se mobilizam para o envio de emendas, agora, que o “leite foi derramado”. Mas são muito poucos os parlamentares que dedicam seu mandato a causa ambiental. Meio ambiente não costuma dar voto. Principalmente, em tempos de negacionismo sobre as mudanças climáticas.
Narrativas ideológicas
Para além das narrativas ideológicas sobre as causas das mudanças climáticas, o fato inconteste é que elas estão acontecendo. Agravando-se a cada dia. E todos temos de nos adaptar a essa nova realidade. Governantes e o agronegócio estão entre os maiores responsáveis. Devem agir no sentido de implantar mudanças estruturais preventivas. Afinal, todos saem perdendo diante de uma catástrofe climática. Inclusive, o “agro”, com perdas irreparáveis em safras e colheitas. O consumo interno e as exportações saem prejudicados. O governo federal já estuda a importação de arroz e feijão, devido às perdas no Rio Grande do Sul. Chegamos a um ponto em que pode faltar a dupla básica no prato diário dos brasileiros…
Alerta ao país
Que a tragédia no Rio Grande do Sul sirva de alerta a todo o país. Recebemos um recado da natureza de que há a necessidade urgente de mudanças. O eleitorado brasileiro deve aprender a deixar de ser manipulado por narrativas ideológicas e fake news que minimizam ou negam os riscos que corremos por conta das mudanças climáticas. Inúmeras hipóteses são levantadas, desde emissões de CO2 a explosões solares, passando pelo desmatamento na Amazônia, que influencia o regime de chuvas no Sul e Sudeste, entre as causas.
Alta nos preços dos alimentos
Porém, independentemente das causas que, possivelmente, representem uma interação de fatores, é necessário muita consciência da realidade preocupante, ao invés de negacionismo e irresponsabilidade com relação ao meio ambiente. Além de tudo, quem mais sofre são as populações mais vulneráveis, de baixa renda. Inclusive, teremos alta nos preços de diversos gêneros alimentícios, agravando a situação das famílias que dependem de auxílios-sociais e dos trabalhadores de baixo poder aquisitivo. Enfim, uma cadeia de efeitos negativos que só contribuem para agravar problemas e desafios ao país.