quinta-feira, 19 de setembro de 2024
Se mandato de parlamentares despertasse o mesmo interesse quanto a vida de Larissa Manoela, teríamos esperança de um país melhor

Vanessa Martins de Souza

Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

Se mandato de parlamentares despertasse o mesmo interesse quanto a vida de Larissa Manoela, teríamos esperança de um país melhor

Já passa de um mês que a briga de uma celebridade com os pais mexe com a opinião pública de um país inteiro. Quase impossível encontrar um brasileiro que não esteja a par, ao menos superficialmente, dos problemas enfrentados pelas atriz, cantora, dubladora e empresária Larissa Manoela e seus pais. A disputa pelos rendimentos e patrimônio da família, gerado pelo trabalho da artista, em grande medida, tem ganhado os holofotes em toda a imprensa de forma impressionante. Até reportagem no programa dominical ‘Fantástico’, da Rede Globo, a moça de 23 anos ganhou. Nas redes sociais, também não se encontra uma folga. Correm reportagens, memes, podcasts, entrevistas, opiniões de videntes, sensitivos, psicólogos, advogados, e de internautas leigos que não resistem a dar um pitaco, a tomar partido e até a entrarem em debates acalorados. Larissa estaria mentindo? Os pais seriam narcisistas? Quem estaria certo? Em quem acreditar? Nos pais ou na atriz? Ela realmente não tinha dinheiro nem para comprar um milho na praia?

“Barraco“ público

Todo esse interesse assombroso do povo pela vida de uma celebridade em seus piores momentos, quando protagoniza um verdadeiro “barraco” público com os pais por causa de dinheiro, uma quantia milionária, vale lembrar, é muito revelador do povo brasileiro. Revela o quanto o grande público concede importância excessiva, descabida, a futilidades que nada acrescentam de bom a suas próprias vidas e à sociedade. Pode até ser interessante, emocionante, para muitos, acompanhar passo a passo, feito uma novela, os novos fatos e revelações sobre a vida da atriz e as baixarias decorrentes da briga com seus genitores. Pode garantir fortes emoções, muita gente se identifica pela forma com que se relaciona com os próprios pais, gerando forte empatia. Jovens, em especial, aproveitam para falar mal dos próprios pais, alegando que sabem bem como é ser vítima de pai ou mãe narcisista. Porém, o quê de mais proveitoso pode se extrair ao perder-se tanto tempo e energia acompanhando em detalhes, comentando, opinando e até discutindo com quem diverge em opinião, sobre a vida de uma pessoa famosa que, sequer, sabe da existência de milhares, de milhões de anônimos que parecem preocupados com ela?

Imprensa alienante

O mais espantoso é o foco excessivo dado pela imprensa a esse caso. Um tipo de jornalismo antes apenas reservado a editorias de fofocas de celebridades tem passado a ganhar mais espaço na cobertura. A vida da garota de programa mais famosa do Brasil, na atualidade, Andressa Urach, em seus detalhes mais sórdidos, também tem ganhado os holofotes em manchetes cada vez mais escabrosas. Se a intenção é provocar alienação da realidade no país, da sociedade, em geral, em nosso tempo tão complicado, a imprensa acertou na mosca. Assim, diminui-se a relevância dos grandes temas nacionais, as preocupações com o país, com a política em Brasília, a política local, os desafios imensos desse nosso tempo de polarizações, de disputas acirradas ideologicamente e de toda esbórnia de sempre nas esferas do poder público. Um sedativo às massas dos mais eficientes e apropriados…

Mandatos sem “seguidores”

Seria muito mais útil e produtivo se cada brasileiro que está interessado em seguir, passo a passo, mais um capítulo da baixaria entre “a pobre menina rica” e seus pais, dedicasse esse tempo a acompanhar, em detalhes, o trabalho dos parlamentares em Brasília, no seu estado e em seu município. Mas, a maioria mal lembra em quem votou para deputado. Muito menos, dedica um tempo a acompanhar o mandato, não, somente, pelo noticiário, muitas vezes, enviesado, mas frequentando as páginas e perfis nas redes sociais do deputado, do senador, do vereador, em quem votou. Pode ser mais chato, mais trabalhoso, exigindo mais foco, cognição, mas pode trazer algo de útil a sociedade. Cobrar, exercer pressão, aprender mais sobre o poder público, o jogo político e principalmente avaliar se o referido parlamentar merece ser reeleito, são alguns frutos colhidos a quem sabe eleger seu tempo e energia a assuntos que fazem a diferença na vida das pessoas. A Larissa Manoela continuará rica, famosa, bem-sucedida, enquanto milhões de brasileiros assalariados, bem ou mal empregados, ou desempregados, têm de continuar correndo atrás do “ganha-pão” todo santo dia. “Matando-se um leão por dia” para pagar boletos que, para a atriz e seus pais, seriam pagos de olhos fechados, sem nenhuma dificuldade.

Consolo a “pobres mortais”

Talvez, esse interesse intenso em acompanhar a vida de celebridades, de preferência, em seus piores momentos, represente uma forma de consolo aos “pobres mortais” que costumam mitificar demais o que é ser rico e famoso. Deve haver uma espécie de prazer mórbido ao verificar-se que as celebridades – gente bonita, bem-sucedida e cheia da grana – também sofrem, passam por problemas semelhantes a “ todo mundo”. Bem ao estilo das novelas lacrimosas de antigamente como a icônica “Os ricos também choram”. Contudo, isso em nada agrega à vida de quem acompanha esses escândalos midiáticos. Por que não ocupar esse tempo precioso perdido com desgraças de celebridades lendo um bom livro, fazendo um curso bacana, profissionalizante ou não, ou ainda engajando-se em trabalho voluntário? Quando deixamos de lado o que não acrescenta nada de bom a nossas vidas pessoais ou à sociedade, muitas coisas podem mudar para melhor. Todos temos problemas pessoais, nacionais e locais para resolver. Não será cedendo à alienação das massas e ao amortecimento da consciência com o fútil e inútil que teremos uma vida melhor, para nossas famílias, à comunidade local e à sociedade.

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