Nos anos 50, surgem os primeiros planos de saúde do Brasil, raiz da Saúde Suplementar que hoje agrega “medicinas de grupo”, cooperativas, seguradoras e autogestões responsáveis pela assistência a quase 50 milhões de pessoas. O sistema, a princípio destinado ampliar o acesso à medicina qualificada, tornou-se, em alguns casos, negócio priorizando gerar lucro, por bem ou por mal. Os conflitos, sobretudo por reajustes abusivos e restrição de coberturas, fizeram necessária a regulação com a Lei 9.656/1998 e, em 2000, a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar.
No cenário atual de carências, antigas distorções voltam a predominar. A atenção agora vira-se ao Congresso Nacional. Pacientes, instituições de defesa do consumidor e médicos esperam implementação de regras que tragam qualidade à saúde suplementar, enquanto outros veem oportunidade para alargar as brechas cavadas na lei.
Per fas et nefas é locução latina que significa “por (para o) bem” ou “por (para o) mal”. Seria alcançada per fas (“por bem”) a sustentabilidade financeira do sistema sem prejuízo dos beneficiários? Promoção de saúde, prevenção de doenças e boas práticas médicas, balizadas em diretrizes alicerçadas nas melhores evidências, são iniciativas que geram qualidade à assistência e minimizam desperdício.
Porém, há quem, apenas sensível às margens de lucro, busque per nefas (“por mal”) assegurar resultado financeiro pela limitação de gastos e, quando possível, pela aplicação de reajustes. Reduz-se de custos assistenciais com otimização dos cuidados (per fas) ou limitando as intervenções (nefas). Há muito o setor suplementar sofre com sub-segmentações, carências, recusa de coberturas e obstáculos a autorizações para internações e/ou procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Para tanto, restringe-se o credenciamento a médicos submissos e são aplicadas glosas (“calotes”) aos que resistem.
Contrariar os interesses dos pacientes ofende a ética, é inaceitável. Para contornar esta oposição certas empresas adotam modelos de “verticalização” ou “integração”. Operadoras compram clínicas e hospitais, ou estas instituições adquirem ou associam-se às operadoras. Empresas verticalizadas ou integradas direcionam usuários para esta ou aquela unidade, definem protocolos de menor custo e monitoram de perto sua aplicação. Ao paciente não é dado escolher onde tratar-se e exigem dos médicos subordinação.
Os recursos disponibilizados são os que permitem mais vantagens financeiras, e não melhores resultados clínicos.
Faz-se necessário reformar a Lei 9.656/1998 e corrigir distorções. A sociedade espera um pacote de projetos para o aprimoramento da legislação, jamais retrocesso. Entretanto, tem-se impressão de que muitas das mudanças ventiladas no Congresso beneficiam somente os mercadores de planos de saúde.
Longe de buscar inviabilizar empresas do setor, e há várias pautadas pela ética e qualidade da atenção, o objetivo é direcionar esforços em benefício da saúde das pessoas.
É fundamental que a sociedade brasileira esteja vigilante e se mobilize para acompanhar o que acontece em nossas casas legislativas.
José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Associação Paulista de Medicina