As eleições gerais na Alemanha mandaram um recado para o mundo. Em meio a uma sociedade pacificada, que passa ao largo dos radicalismos políticos, enxergamos mais uma vitória do centro. Este equilíbrio foi fundamentalmente construído pelo acerto entre os dois grandes partidos do país, CDU, democratas-cristãos de centro-direita e SPD, social-democratas de centro-esquerda, que se acertaram em um condomínio político de resultados.
O povo alemão entregou a vitória ao SPD, adversário da CDU – que comanda as coalizões governamentais nos últimos 16 anos. Entretanto, ao contrário do que se imagina, isto não foi uma derrota para a CDU, uma vez que a campanha do SPD foi baseada na continuidade do governo Merkel, que hoje possui como homem forte e ministro da Economia, Olaf Scholz, líder dos social-democratas. No curioso condomínio de poder alemão, convivem centro-esquerda e centro-direita. Um exercício de virtuoso convívio político e democrático no Bundestag.
A convergência entre os dois grandes partidos alemães nos indica que o país tem mostrado maturidade ao lidar com os radicais que tentam subtrair o poder de forma populista, seja pela direita ou pela esquerda. O centro entendeu que seria mais importante encontrar suas convergências do que duelar por suas diferenças. Nesta briga entre os dois, certamente ambos sairiam derrotados. Talvez este seja o grande legado que Angela Merkel deixa para sua geração política.
Enquanto a Alemanha encontra seu caminho, outras nações vivem um clima conflagrado de polarização. Vemos diversos países atingidos por este movimento, que chegou ao Reino Unido, Estados Unidos, Brasil e outras diversas nações que hoje valorizam mais suas diferenças do que aquilo que os une. Talvez por ter sido tão duramente atingida pelo vírus do populismo no passado, a Alemanha saiba dos enormes custos que advém destas aventuras com líderes autoritários e autocráticos.
Se os bons ventos soprados da Alemanha se espalharem pela Europa, certamente veremos uma reacomodação de forças em diversos países, inclusive com a convergência governamental entre centro-esquerda e centro-direita. Em breve os franceses terão eleições gerais e considerando o sistema parlamentarista europeu, esta acomodação pode atingir aos poucos diversos outros membros do bloco.
As chances de vermos a mesma coalização de Merkel, mas com Olaf Scholz no poder e a CDU ocupando a Vice Chancelaria e a pasta da economia são possíveis e reais. Os dois partidos sabem que podem entregar uma administração estável, de cunho centrista, com renovação social-democrata em alguns pontos, mantendo os traços de moderação, cautela e prudência que caracterizam os conservadores democratas cristãos. Um condomínio de poder reinventado com uma renovação natural de algumas peças.
Talvez seja isso que o Brasil precise, um governo de coalizão nacional, imbuído de um sentimento de união, que pacifique o país e torne nossa administração mais previsível, nossas políticas mais estáveis e nossos resultados mais sólidos. Este é o grande ensinamento deixado pela política alemã em tempos recentes.
Márcio Coimbra é presidente da Fundação Liberdade Econômica. Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal. Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos, Espanha.