quinta-feira, 19 de setembro de 2024
Retoque, reparo ou reforma: a impossibilidade da reforma tributária

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Retoque, reparo ou reforma: a impossibilidade da reforma tributária

Gramaticalmente a palavra reforma significa substantivo ato ou efeito de reformar, de atribuir uma forma melhor, de corrigir, reorganizar.

A partir deste conceito as primeiras constatações práticas se apresentam bem à frente dos nossos olhos e delas não podemos fugir.

1. Espera-se da tal reforma tributária atributos que ela, enquanto reforma de um sistema, não trará. Reforma não comporta mudanças tão significativas como o imaginário social almeja.

2. Faz algumas décadas que o modelo tributário passa por reforma tributária: localizada, pontual, gradual e contínua; a partir de cada ente federativo, no tocante às suas competências legais e suas responsabilidades sociais. Essas alterações criam inclusive uma certa competição entre os Estados, e entre Municípios.

3. O brasileiro imagina uma mudança tributária capaz de diminuir radicalmente o volume da tributação, o que é um sonho distante, uma impossibilidade prática, sem uma relação direta com a reforma que se aproxima muito mais de uma readequação do sistema; ao mesmo tempo se distancia de uma revolução tributária.

4. A ideia de reformar o sistema esconde uma vontade oculta de reduzir os tributos.

Voltemos ao começo. Em um país de pouca cultura e de raríssimo esclarecimento, o cidadão não consegue entender os sistemas clássicos da nossa jovem democracia. Sistemas, econômico, jurídico, político, entre outros. Culpar os sistemas é um ato juvenil corriqueiro entre nós. O sistema tributário é apenas mais um incompreendido. Realmente incompreendido, no real sentido do termo. É muito raro encontrar uma pessoa comum que entende, por exemplo, como funciona o imposto de renda, seus avanços e problemas. A imensa maioria não entende a diferença do tributo com contrapartida direta daqueles que não tem esse compromisso. É preciso entender que o imposto não impõe ao ente tributante qualquer contrapartida formal. Ele é imposto. E pronto. Isso resolveria uma parte das nossas angústias.

Em termos de consciência, todos teriam o direito e até o dever de entender mais sobre essa matéria para poder criticar melhor e ensaiar algo novo nesse enigmático mundo dos tributos. Esse enfrentamento, a meu ver, se daria muito mais no varejo do que no atacado.

De minha parte, entendo que há boas melhorias a serem feitas no sistema tributário, respeitando as situações regionais. Há por exemplo um debate de que o ICMS seria o tributo que mais precisaria de aprimoramento, até mesmo por ser aquele que mais impacta nas economias regionais e nas finanças domésticas; o pão de cada dia. De outro modo, ele é objeto de guerra fiscal entre os Estados, criando um fluxo migratório das empresas em busca do menor tributo. Contudo, não consigo imaginar alguma mudança significativa de norte a sul, em todos os tributos, em especial na tributação do consumo, ou seja, no ICMS.

Por outro lado, a necessidade de racionalizar, desburocratizar e simplificar o pagamento dos tributos talvez seja a única bandeira que une o país de norte a sul.

Fora disso, quase todo o debate remanescente é interminável polêmica e jogo de interesses particulares e setorizados. Via de regra, ninguém quer perder num campo onde é impossível que todos ganhem. A sociedade reluta em pagar um preço inevitável do progresso. É uma conta que não fecha. Esse é o dilema.

Algumas vezes afirmei que o Brasil não fará uma REFORMA TRIBUTÁRIA no sentido que a classe produtiva espera. Ainda continuo pensando que essa a reforma tributária possível está em curso a cada revisão de planta genérica, a cada mudança na faixa de isenção do Imposto de Renda como está por acontecer em 2023, entre outras pequenas intervenções que melhoram o sistema. Note-se que a Lei Complementar nº. 116 que fixou a alíquota mínima do ISS em 2% em todo o país foi extremamente inovadora ao estancar uma guerra fiscal que existia entre os Municípios, os quais roubavam empresas dos outros, prometendo ISS reduzido. Mas o ISS ainda precisa de ajustes, a depender de aspectos regionais e de decisões dos próprios municípios, do Arroio ao Chuí.

Os setores econômicos quando falam em reforma tributária estão olhando para diminuição dos valores despendidos com a tributação. Parte significativa se apoia em argumentos simplórios e buscam diminuir seus custos e por conseguinte aumentar seus lucros, pagando menos impostos; o que parece até compreensível em uma economia de mercado, onde a sobra de capital faz aumentar o lucro de quem o detém. Sob esse aspecto, a tributação é antagônica ao acúmulo de riquezas pois tira do bolso individual e deposita no tesouro que alimenta a coletividade.

A meu sentir, uma revolução na tributação – aquela sonhada pelos setores econômicos – não vai acontecer, em especial num país continental, marcado por desigualdades e demandas regionais que só a boa tributação consegue conter. Boa, porque é justa e capaz de responder às demandas sociais.

Nesta busca por reformas – querendo revolução – a classe política querendo dar respostas às suas bases ensaia um tal de imposto único, que na verdade não tem sentido algum e foge de toda a lógica tributária utilizada pela maioria dos países democráticos: a cada fato gerador de tributo, cobra-se a obrigação devida. Ora, qual seria o fato gerador do imposto único: propriedade, venda, serviço, transmissão? Ademais, o imposto único, só poderia atingir o imposto, restando ainda todas as taxas e contribuições que têm natureza diferente do imposto.

Outra tentativa que vem à tona é a junção de várias espécies tributárias em uma só obrigação. Eu chamaria isso de carnaval tributário. Mas a cada discussão sobre reforma surge essa tentativa de simplificação pela junção de matérias totalmente diferentes em uma única proposta. Normalmente essa genialidade empaca em tabus e bandeiras e não avança.

No governo passado, tentou-se aprovar uma mudança dessas. Era a PEC 110 que previa uma reforma tributária através do IVA, (Imposto sobre o Valor Agregado), tratando de cobrar imposto sobre o consumo.

Ao longo do debate sobre a reforma tributária que não aconteceu, estava contemplado o tal CBS (Contribuição Sobre Bens e Serviços), substituindo os tributos federais (PIS, COFINS, IPI) e também o tal IBS (Imposto Sobre Bens e Serviços) que envolvia a unificação do ICMS e do ISS.

A proposta, com centenas de debates e dezenas de opiniões não teve seguimento, como deve acontecer com futuras tentativas parecidas com a PEC 110. No governo atual o assunto voltou à pauta.

Em suma, parece mais plausível que pequenos retoques, reparos pontuais que possam dar maior fluidez e objetividade ao sistema e possa simplificar o custeio, diminuindo o estresse do cidadão cansado de tantas obrigações financeiras; sejam capazes de apresentar melhores resultados, melhorando a vida de toda a população.

Pagar menos imposto é sonho distante num país de enormes desigualdades sociais, de alta concentração de renda, e de uma economia individualista e sem coração que não entendeu que dividir é somar, quando se trata de renda.

No Brasil das necessidades, a diminuição do imposto para atender a uma minoria é o caminho do caos e da barbárie, que em pequenas proporções, por enquanto, já estão acontecendo nas cidades brasileiras, o que se demonstra pelo aumento da violência.

É como eu penso. Tem bons pensadores que pensam diametralmente o contrário. Sejam bem vindas as pontuais reformas tributárias. A meu ver, melhor não trocar o certo pelo duvidoso.

Para finalizar. Não se mostra viável do ponto de vista prático e de mérito uma substancial reforma tributária. Aquém desta, estão ocorrendo importantes melhorias no sistema; enquanto se espera da sociedade como um todo, um melhor e mais honesto uso dos recursos provenientes desta arrecadação. Como em outras áreas, somos o país do desperdício. O Estado e a própria população têm muito a crescer no tema do gasto público.

José Martins é advogado, gestor público e escritor. Autor do Livro “A Lógica dos tributos – fundamentos históricos e filosóficos”

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