por Vanessa Martins de Souza
2020 veio com uma infeliz coincidência: uma pandemia em pleno ano eleitoral no Brasil. A consequência inevitável é que as decisões de prefeitos e o posicionamento de vereadores sobre o problema pesarão muito na decisão de voto do eleitor. Pois, as repercussões de tais decisões ainda estarão muito presentes, não apenas na memória do eleitorado, mas no dia-a-dia. Todos os gestores públicos, sem exceção, encontram-se em uma situação que pode ser melhor definida como “entre a cruz e a espada”. Entre as possibilidades de melhor abordar o enfrentamento à disseminação do vírus, encontram-se diversas gradações, desde deixar a atividade comercial e empresarial funcionando normalmente, até o lockdown, sendo a segunda opção uma decisão radical, somente aceitável em situações de descontrole de uma curva de contágio rapidamente ascendente.
Críticas e cobranças da população
Acredito que não tem havido nenhum gestor – entre prefeitos, governadores, além do presidente da República, que não esteja recebendo duras críticas, independentemente das decisões, acertadas ou não, que esteja tomando. Afinal, neste cenário tão caótico, torna-se impossível agradar a “gregos” e “troianos”. Há de tudo entre a população: aqueles que não querem nenhuma restrição ao comércio e serviços, nem mesmo restrições a sua vida social; há os radicais que defendem o lockdown e aqueles que querem um meio-termo. Porém, este “meio-termo” costuma variar muito, conforme os interesses de categorias ou mesmo interesses individuais. Quem trabalha em determinado setor, considera injusto que sua atividade sofra restrições enquanto supermercados, farmácias e transporte coletivo continuam funcionando a pleno vapor. Como satisfazer a contento as necessidades e demandas de todos? Impossível em meio à gravidade de um cenário que envolve saúde pública, mais de 50 mil mortos por uma doença pouco conhecida, sem vacina e sem medicamentos específicos e um SUS constantemente ameaçado de entrar em colapso. Com isso, fatalmente, a cada decreto de prefeitos, despencam as reclamações e cobranças de todos os lados. “Por que bares não podem abrir se há pessoas amontoadas nos supermercados e transporte público”? Por que academias não podem funcionar se as pessoas estão se aglomerando em parques, praças e shoppings”? Cada setor se sente prejudicado e injustiçado diante de uma nova decisão dos gestores. Um enorme desafio aos gestores enfrentar uma situação como essa…
UTIs em Curitiba
O prefeito Rafael Greca, de Curitiba, por exemplo, tem recebido elogios em sua página nas redes sociais pelas medidas adotadas em relação à pandemia. Mas, também, críticas e cobranças. Uma das últimas polêmicas envolveu declarações de sua secretária de Saúde, que disse haver apenas pouco mais de duzentos leitos de UTI para Covid-19 em Curitiba e que a taxa de ocupação estava crescendo muito rapidamente nos últimos dias. No entanto, Greca havia dito, em março, que Curitiba estaria com mil leitos de UTIs, tentando transmitir a sensação de que dificilmente estaríamos em apuros. Não faltaram cobranças e explicações em sua página nas redes sociais, bem como algumas reportagens questionando essa conta que pareceu não fechar. O prefeito esclareceu que os mil leitos de UTIs se referiam, também, à rede privada, e que a prefeitura os locaria em caso de necessidade. Alguns populares, não contentes, questionaram o fato de o prefeito supostamente não querer gastar dinheiro com a locação desses leitos, já, de imediato. Também houve quem questionasse a ausência de hospitais de campanha. Enfim, em um momento delicado como esse de uma pandemia, todo cuidado é pouco em declarações à imprensa e nas redes sociais para não gerar má interpretações e críticas desnecessárias. Prefeitos correm o risco de botar a perder três anos de bom mandato por conta de decisões que possam desagradar à uma parcela significativa do eleitorado no enfrentamento à Covid-19.
Consequências à economia estão sendo inevitáveis, por mais que os gestores sejam razoáveis e moderados nas decisões de restrições ao comércio. Não há milagres diante de um desafio imenso como esse. Infelizmente, internações e mortes também estão sendo inevitáveis, diante de uma doença ainda sem tratamento específico. Perdas e danos à economia e à saúde estão acontecendo, tanto em localidades que têm adotado o lockdown como naquelas que não adotaram grandes restrições à circulação de pessoas e à atividade comercial e de serviços.
“Conta” nas eleições
Numa equação que parece não ter solução única a contento para todos, a conta poderá sobrar para muitos gestores nessas eleições municipais. Para o eleitor que defende o lockdown – restrições mais radicais – irá pesar muito na balança ao definir seu voto, o número de infectados. Os defensores da liberação irrestrita da atividade comercial, certamente, irão pesar em sua avaliação muito mais as consequências econômicas. Quem perdeu emprego, renda, lucros, mas não perdeu nenhum ente querido para a Covid-19, terá uma percepção diferente daquele que perdeu uma ou mais pessoas para a doença.
Mais realismo, menos extremismo
Contudo, seria prudente considerar essa avaliação em termos menos extremistas e mais realistas. Os prefeitos que adotaram medidas baseadas em dados da realidade, dosando a atenção à saúde e à economia, conforme o quadro foi se desenrolando, além de buscar ajustes pontuais e graduais adaptados à evolução da curva de contágio e à disponibilidade de leitos e UTIs, são os que se revelam em vantagem competitiva, considerando-se o quesito “pandemia”.
Soluções “milagrosas”
Exigir medidas absurdas dos prefeitos ou soluções “milagrosas”, como se perdas à economia e à saúde pudessem ser totalmente evitáveis, é irrealista. Quem assim defende, demonstra que não conseguiu compreender a gravidade de um problema onde sempre haverá perdas de todos os lados, independentemente das decisões que cada prefeito tome. E parece não ter compreendido que a disseminação do vírus também depende muito do comportamento de cada um. Essa responsabilidade também é do povo, que precisa ter consciência e adotar todas as medidas sanitárias de proteção ao contágio.