O primeiro dia dos trabalhos na nova legislatura no Congresso Nacional foi marcado pelas respectivas eleições de presidente do Senado e da Câmara dos Deputados. O resultado dos pleitos garantiu a manutenção de tudo como já estava nos últimos dois anos, no governo Bolsonaro. Tanto o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), como o do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foram reeleitos.
A reeleição de Lira não trouxe surpresas a ninguém, uma vez que já era considerada certa, absolutamente previsível. Tanto que o alagoano obteve uma votação histórica, a maior da Casa, com 464 votos, contra 21 de Chico Alencar (PSOL-RJ) e 19 de Marcel Van Hatten (NOVO-RS). Lembrando que bateu recorde anterior obtido no passado por Ibsen Pinheiro (MDB-RS), de 1991 a 1992, e João Paulo (PT-SP), de 2003 a 2004, ambos eleitos à presidência com 434 votos, igualmente.
Expectativa frustrada
Um certo grau de incerteza havia sobre a reeleição de Pacheco, devido a expectativa de “virada“ no início da semana, quando começou a aventar-se na mídia a hipótese do senador bolsonarista Rogério Marinho (PL-RN) estar crescendo nas intenções de voto ao ponto de poder ser eleito. Houve palpites de comentaristas políticos que apontavam para uma votação bem mais apertada, cravando uma diferença de dois ou três votos entre ambos ou até de vitória do ex-ministro de Bolsonaro. Mas, o placar apontou para um resultado de 49 votos a 32 para Pacheco. De nada adiantou o senador bolsonarista Eduardo Girão (PODE-CE) ter desistido da candidatura, para não dividir votos. Pacheco acabou vencendo.
Voto secreto
A possibilidade de traições não tem sido descartada, afinal, o voto nas duas casas é secreto, deixando os senadores à vontade para votarem de forma diferente da que haviam se comprometido em conversas. Enfim, foi decepcionante para a oposição, não, apenas, bolsonarista, mas para a direita, em geral, ver o candidato apoiado pelo presidente Lula vencer o pleito.
Pautas “sepultadas”
De agora em diante, há 99% de certeza de que pautas como o impeachment de ministros do STF estarão fora de cogitação. Aliás, houve ministros do STF que fizeram campanha, pediram votos para Pacheco. Onde já se viu membros do Poder Judiciário interferindo em eleições no Poder Legislativo? Bem, aqui no Brasil a gente vê de tudo…
Novo arcabouço fiscal
Com a vitória de Pacheco, parlamentar que já foi aliado de Bolsonaro na eleição passada, Lula tem um cenário muito favorável no Senado. Muito embora, Pacheco tenha dito em discurso que quer prioridade do governo na aprovação de um novo arcabouço fiscal no lugar do teto de gastos descartado pelo petista e na reforma tributária. O presidente do Senado, inclusive, não reza integralmente na cartilha de Lula e deixou isso claro quando criticou a hipótese de revogação de reforma da Previdência e Trabalhista. Posicionou-se contra o que ele chama de retrocessos. Então, talvez, a situação de Lula não se revele 100% favorável. Pacheco ainda afirmou que quer um pacto entre os poderes, mas, sem relações de subserviência, mas, sim, para aprimorar e avançar pautas públicas a partir do diálogo, ouvindo-se sugestões das comissões da Casa.
Cobrança de fatura
Quanto à reeleição histórica de Lira, certamente, agora, bem mais poderoso, o deputado deverá cobrar a fatura ao presidente da República. O alagoano vem trabalhando pela sua reeleição desde antes do término das eleições presidenciais. Trocou farpas com Lula na campanha, depois, com o petista no poder, combinou de obter a aprovação da importante PEC Fura-Teto em troca de apoio do presidente a sua reeleição. Com os deputados, também empenhou-se em agrados, a exemplo de dobrar o valor do auxílio -moradia, de aumentos nas verbas para gasolina e nos gastos com passagens aéreas. E acredita-se que o presidente da Câmara não deverá se contentar com pouco. Seguramente, vai cobrar de Lula muitas emendas parlamentares e cargos para partidos do Centrão.
Queda-de-braço
Avizinha-se uma queda-de-braço entre o chefe do Poder Executivo e o chefe do Legislativo na Câmara. O que pode trazer dificuldades para Lula e o PT, que têm buscado centralizar cargos ao partido muito mais do que em mandatos anteriores no poder federal. É nesse ponto de embate, de disputa de poder entre os dois, de negociação por votos, que a oposição poderá tentar barrar algumas pautas do Palácio do Planalto que não são de interesse da direita. É possível que Lula encontre em Lira um “osso duro de roer”, uma vez que o deputado concentra mais poder, daqui para frente, a partir dessa reeleição acachapante.
Vitória do fisiologismo
No balanço geral, ambas as reeleições representam a vitória do fisiologismo no Poder Legislativo. Tanto Pacheco, como Lira, foram apoiados por Bolsonaro nas eleições passadas. Ou seja, representam aqueles partidos bastante fisiológicos de Centro que costumam “dançar conforme a música” e aderir, sem pestanejar, ao velho “balcão de negócios” da política tupiniquim. O “orçamento secreto” de Lira foi considerado crime pelo STF, mas, podemos ter certeza, que um novo orçamento “paralelo”, digamos assim, será ”oficializado” naquela casa legislativa.
Ausência de renovação
Infelizmente, é assim que “a banda toca” no Congresso Nacional, desde sempre. A vitória desse fisiologismo rasteiro que dita as regras do jogo político nacional traz, apenas, mais do mesmo. A renovação, a alternância de poder, no comando das duas casas seriam mais bem-vindas, considerando-se ainda a presença de uma liderança oposicionista no Senado como algo salutar para a democracia. Mas, em nome da governabilidade, apela-se a tudo. De fato, seria muito ruim para Lula contar com um bolsonarista, mesmo que moderado, como Rogério Marinho, no comando do Senado. Porém, mais uma vez venceu o jogo bruto de uma política que se faz em nome de interesses pessoais e partidários.
De Pacheco, só podemos esperar que realmente não haja subordinação ao Palácio do Planalto, pelo menos. E que sinceramente esteja comprometido com a democracia, como discursou. Mas, a uma democracia de verdade, e não aquela que somente atende aos interesses do PT, onde a regulação da mídia e uma espécie de “Ministério da Verdade” são vistos como instrumentos democráticos.