Que o “caso Ana Hickmann” sirva de encorajamento a mulheres vítimas de violência doméstica e familiar
Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

Que o “caso Ana Hickmann” sirva de encorajamento a mulheres vítimas de violência doméstica e familiar

Desde o último dia 11 de novembro, que não se fala em outra coisa quando o assunto é celebridades brasileiras. Naquele sábado, a apresentadora de TV Ana Hickmann recorreu ao 190 da Polícia Militar de Itu, onde mora, para pedir ajuda diante da ameaça de continuidade da agressão física que estava sofrendo do marido, dentro de casa. Ela já estava com o braço machucado devido a uma porta de correr fechada pelo marido contra ela. O “caso Ana Hickmann”, assim, tem chocado o país, em razão não somente da violência doméstica e familiar envolvida, mas, porque destruiu a imagem de “casamento perfeito“ que o público nutria sobre a relação da ex-modelo com Alexandre Corrêa, que já iria completar vinte e cinco anos.

Violência patrimonial

Desde então, o público tem acompanhado os desdobramentos da separação do casal, a exemplo de coisas escabrosas que têm sido reveladas sobre, também, a suposta violência patrimonial que o marido da apresentadora e empresária vinha cometendo contra ela. O público, em geral, tem oferecido apoio à apresentadora. Porém, sempre há os críticos e “haters” que alegam que a repercussão tem sido grande por que se trata de violência doméstica contra uma mulher branca, loira, rica, bonita, famosa. Enfim, se fosse “uma qualquer”, a imprensa não teria dado tanto destaque. De fato, se fosse um caso de violência doméstica contra uma mulher pobre e negra, anônima, moradora de comunidade, por exemplo, teria recebido pouca atenção, tanto da imprensa como do público. Mas, o diferencial é a condição de fama detida por Ana Hickmann. A repercussão maior na imprensa não é tanto uma questão de raça, etnia ou classe social. Mas, de notoriedade. Ana Hickmann é apresentadora de um programa de TV na Record há muito tempo, há mais de dez anos. É ex-modelo e ex-top model de passarela, enfim, muito badalada na mídia já há uns bons anos. E conta com um canal no YouTube, sendo bastante ativa nas redes sociais.

Luíza Brunet e “olho roxo”

Houve caso semelhante em 2016, também, envolvendo uma ex-modelo famosa, que não ganhou tanta repercussão apesar da violência física sofrida ter sido muito mais grave. Trata-se de ninguém menos que Luíza Brunet, que apareceu nas redes sociais com o olho roxo por conta de um soco de seu então namorado. O namorado era ninguém menos que o investidor bilionário Lírio Parisotto, um gaúcho que voltou a lista de bilionários da Forbes em 2023. Brunet o denunciou por meio de Boletim de Ocorrência por lesão corporal e violência doméstica. Disse ter levado um soco no olho e chutes. Teria quebrado quatro costelas. A condenação penal contra o bilionário, enquadrado na Lei Maria da Penha, foi de um ano de prestação de serviços comunitários, como medida socioeducativa. E durante dois anos, apresentar-se pessoalmente no fórum da condenação, todos os meses. O bilionário respondeu pela imprensa que seria “um prazer“ prestar serviços comunitários e que iria provar sua inocência na justiça. Bem, desde então, não se soube que tenha conseguido comprovar na justiça que não agrediu Luiza Brunet…

Bandeira de todas as mulheres

Conforme constatamos, há casos que, talvez, não tenham recebido tantos holofotes devido a influências do poder econômico do acusado… Mas, de sua parte, Luiza Brunet tem, desde então, levantado a bandeira do combate a violência doméstica e familiar contra a mulher. E Ana Hickmann, mais, agora, do que nunca, afinal, já se revelava uma celebridade engajada nesta pauta pela mulher.

Acredito que, para muito além de se tratar de fofoca de celebridade, casos envolvendo violência doméstica e familiar contra mulheres famosas são importantes porque demonstram que esse problema não acontece só com mulheres pobres ou de classe média. Também, acontece com mulheres ricas e lindas, bem-sucedidas profissionalmente, inclusive.

Mitos

Pois, ainda há um mito de que basta a mulher adquirir independência financeira para se separar e se libertar do agressor. Não é bem, assim, mesmo… Muitas vezes, é algo muito mais complexo, envolvendo uma relação de dependência emocional da mulher para com o parceiro que a agride. O parceiro frequentemente também apresenta algum grau de dependência emocional, ao menos, enquanto não encontra a próxima vítima. Ana Hickmann é quem sustentava a casa. Os negócios eram em torno do nome, trabalho e imagem dela. O marido apenas administrava os negócios. E muito mal, por sinal. A apresentadora disse que ficou sabendo da dimensão das dívidas pela imprensa. O marido não lhe dava explicações e satisfações sobre os negócios. Uma mulher que teoricamente não precisaria passar pelo que passou com o marido devido a uma condição financeira muito superior a de tantas mulheres que sofrem violência doméstica… Como vemos, não se trata apenas de conquista de independência financeira da mulher para que ela esteja imune a agressores.

Motivação e referências

O que se pode extrair de benéfico a tanta exposição da vida íntima deste casal de celebridades é que sirva de elemento impulsionador de coragem a muitas mulheres que passam por violência doméstica e familiar. Que o “caso Ana Hickmann” revele-se emblemático, referencial, a tantas mulheres anônimas, pobres, ricas, de classe média, instruídas ou não, brancas, pardas ou negras, jovens ou maduras. Para que criem coragem e deem um “basta” a relacionamentos tóxicos, abusivos, baseados em agressões. Sejam agressões físicas, psicológicas, verbais ou referentes a violência patrimonial. Às vezes, é preciso o exemplo de uma mulher famosa, considerada ícone de beleza clássica, comercial, uma autêntica “Barbie”, como é o padrão estético representado por Ana Hickmann, para que outras sejam inspiradas e encorajadas a denunciar. Às vezes, a identificação pode ser maior devido ao carisma transmitido por celebridades de beleza icônica.

Disque 180

Assim, é fundamental reforçar o lembrete, de todas as formas, para que as mulheres denunciem. Se não houver Delegacia da Mulher na cidade, uma Delegacia comum também pode registrar um Boletim de Ocorrência. O presidente Lula também lembrou, citando o caso Ana Hickmann, do Disque 180, do Governo Federal, que conta com uma Central de Atendimento a Mulher para uma escuta e acolhida qualificada a mulher vítima de violência doméstica. Certamente, há muita subnotificação no Brasil. E talvez, o crescimento verificado de um ano para outro represente justamente as novas mulheres corajosas que resolveram sair das sombras e denunciar, seguindo o exemplo de outras. Em 2021, por exemplo, foram 237.596 registros. Em 2022, houve um aumento nas denúncias registradas: 245.713, segundo dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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