Foto: Gabriel Rosa/SMCS
Pela primeira vez na história, em 2015 a Prefeitura de Curitiba aplicou mais recursos do que o Governo Federal na rede municipal de saúde
Foram R$ 832,3 milhões, o que representa 21,2% do orçamento municipal e 53,16% dos R$ 1,565 bilhão investidos na saúde na cidade. A União – que de acordo com a Emenda Constitucional 29 deveria ser a principal financiadora do Sistema Único de Saúde (SUS) – ficou responsável por 45,81%, enquanto o Governo Estadual teve participação de 1,02% do total investido na saúde da capital paranaense.
Os números expõem um ponto central do debate atual sobre o SUS: como financiar um sistema tão complexo, que foi idealizado para todos os brasileiros e engloba inúmeros serviços de saúde, monitoramento sanitário de vários ramos de negócios, levantamento estatístico sobre a saúde de toda a população, o controle de animais transmissores de doenças e até a promoção de campanhas de prevenção.
Só em Curitiba, o SUS tem orçamento previsto de R$ 1,6 bilhão para 2016, conta com o trabalho de 9.798 profissionais e tem como potenciais usuários cerca de 3 milhões de pessoas, incluindo também uma parcela da população da região metropolitana que recorre à capital em busca de serviços de referência.
Para garantir que o sistema funcione em todo o Brasil e esteja acessível a qualquer pessoa, a gestão é segmentada entre os governos federal, estaduais e municipais, dividindo as responsabilidades. A União elabora políticas e diretrizes a serem seguidas em todo o país. Aos governos estaduais, cabe implementar políticas nacionais e estaduais e elaborar pactos regionais para que a população de cidades com menos estrutura possam recorrer a serviços de saúde em outros polos de referência. Os municípios ficam responsáveis pela saúde da sua população, oferecendo serviços que atendam as demandas básicas do povo.
A responsabilidade sobre a medicação da população também é compartilhada entre as três esferas. O município fica responsável pela aquisição de medicamentos básicos, o Estado distribui medicação especializada e o Governo Federal faz aporte de recursos, compra e distribui medicamentos estratégicos (para HIV, tuberculose e anticoncepcionais, por exemplo) e investe em novas tecnologias.
Financiamento
A Emenda Constitucional 29 determina que o Governo Federal, como principal financiador do SUS, deve investir pelo menos o mesmo montante do ano anterior, corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Contudo, essa não é a realidade em Curitiba.
A situação se inverteu no ano passado, quando a Prefeitura foi responsável por mais da metade dos investimentos em saúde (53,16% do total investido). A título de comparação, em 2013, foram investidos R$ 646,8 milhões, o equivalente a 20,48% do orçamento do município voltados ao SUS Curitiba e 45,32% do total destinado à saúde de Curitiba.
“O montante destinado à saúde pelo Município vem crescendo ano a ano. Para este ano, são previstos 18,75% do orçamento municipal ao SUS Curitiba, superando mais uma vez o que exige a legislação. A Emenda Constitucional 29 estabelece que os estados devem garantir ao menos 12% e os municípios 15% das suas receitas para a saúde. O que temos visto nos últimos anos é Curitiba ter de arcar com mais verba para a área, chegando a responsabilizar-se por mais de 50% dos custos em saúde”, diz o secretário municipal da Saúde, César Monte Serrat Titton.
Além dessa distorção, o subfinanciamento do SUS é hoje o principal desafio a ser superado pelos gestores. Para o enfermeiro Paulo de Oliveira Perna, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), “o histórico quadro de desfinanciamento do SUS” limita os avanços do sistema. “As políticas de austeridade, exigindo cada vez mais ajustes fiscais, impactam mortalmente nas políticas públicas”, avalia Perna. O especialista também inclui no rol de desafios para o SUS a garantia de assistência em níveis de complexidade secundário e terciário, a formação e qualificação dos profissionais de saúde, o avanço de ações de saúde mental e o combate ao uso de agrotóxicos.
Gestão ampliada
Para garantir maior agilidade nos repasses federais e pagamento de prestadores de serviços, desde 1998, Curitiba tem gestão ampliada dos recursos destinados ao SUS e de todos os serviços de média e alta complexidades prestados em seu território. “Na prática, isso quer dizer que toda a verba federal destinada ao município vem diretamente do Fundo Nacional da Saúde para o Fundo Municipal. Isso garante maior autonomia na gestão dos recursos para investimento em ações e serviços de saúde. Isso acaba sendo fundamental em um momento de crise econômica como o que vivemos atualmente”, afirma a superintendente executiva da Secretaria Municipal da Saúde, Jane Sescatto.
A superintendente explica que todo recurso recebido pelo município é destinado a finalidades específicas. “Recebemos recursos federais de blocos de financiamento relacionados à atenção básica, à atenção de média e alta complexidades, à vigilância em saúde, à assistência farmacêutica, à gestão do SUS e aos investimentos na rede de saúde. Os pagamentos são destinados a essas áreas conforme a prestação dos serviços”, conta Jane.
O repasse federal é calculado de acordo com os serviços ofertados e a população de cada município e são insuficientes para suprir serviços de média e alta complexidades, que também atendem um volume de pessoas oriundas de outras localidades além das pactuações estabelecidas. “Além do subfinanciamento do SUS, relacionado à falta de revisão dos valores praticados para os serviços prestados, isso gera um desequilíbrio ainda maior nas contas da saúde. Não nos negamos a prestar qualquer atendimento a pacientes de outras cidades, mas também deveríamos receber mais recursos para isso. Um exemplo é o tratamento de oncologia ofertado por Curitiba que é referência para todo o Estado e recebe muito mais pacientes que o pactuado”, diz Titton.
Participação de todos
Além das responsabilidades do poder público, também fazem parte do permanente processo de construção do SUS – um dos princípios básicos do sistema – usuários, trabalhadores do sistema e prestadores de serviços. A partir da participação da sociedade em conselhos e conferências de saúde (locais, distritais, municipais, estaduais e nacionais), é traçado o rumo dos serviços prestados. “A participação da sociedade, no conjunto da obra, tem seu valor. O controle social interfere para que as políticas públicas venham a atender às necessidades da comunidade”, afirma o presidente do Conselho Municipal de Saúde de Curitiba, Adilson Tremura, 62 anos, usuário da unidade de saúde Bairro Alto.
Curitiba tem hoje 81 conselheiros municipais, 216 distritais e cerca 1,5 mil locais. A metade é composta por usuários do SUS, 25% representam os trabalhadores do sistema e os 25% restantes são divididos igualmente entre gestores e prestadores de serviços. Tremura explica que todas as ações de saúde que entram no Plano Municipal são discutidas e aprovadas pelos conselheiros na Conferência Municipal de Saúde. A rede de conselheiros faz com que as discussões não fiquem restritas a políticas macro, mas também estejam focadas nas necessidades locais de cada comunidade.