Nas Olimpíadas de Tóquio, fiquei maravilhado com uma nova modalidade que inaugurava sua participação nos jogos: o skate. Foi fascinante perceber que – sobretudo nas provas femininas – ao mesmo tempo em que as atletas davam tudo de si pelo melhor resultado, havia um senso diferenciado de comunidade entre as representantes dos diferentes países. Elas se motivavam e se consolavam quando alguma apresentação não era tão boa. Me intriguei com o que via, mas depois compreendi que era exatamente este o chamado “espírito olímpico”.
Os jogos nasceram na Grécia Antiga, numa civilização que honrava o ser humano em sua expressão mais excelente que ia além da superação e da vitória. As olimpíadas nasciam como uma espécie de celebração pelo que mais nos une. Não à toa, o símbolo dos jogos modernos são cinco anéis entrelaçados, que representam os continentes unidos por um mesmo espírito.
Por isso me frustro ao ver como essa dimensão costuma ficar em um segundo plano quando tratamos nas Olimpíadas. O foco principal são as vitórias, os primeiros lugares, ou os super-humanos como Usain Bolt ou Simone Biles. Somos frutos da mentalidade do vencedor: o melhor que se afirma ao superar o outro. Esse mindset está tão arraigado que estruturamos instituições e relações em pura competição: escolas, exames, empresas, concursos, premiações e até reality shows.
É o que o autor James Carse chama de Jogos Finitos, aqueles cujo objetivo é vencer, aniquilar o oponente e ganhar um título externo. Queremos o prêmio. No jogo finito, desenhamos a fronteira entre nós e eles, e nos movemos para prevalecer sobre eles. Essa é a estrutura do nosso mundo. Somos uma espécie que sobreviveu pela colaboração e existência social. Mas, aos poucos, apagamos essa vocação, optando pela supremacia da parte sobre o todo. Este recorte não é adaptativo, pois cedo ou tarde o todo perecerá diante da voracidade de algumas partes.
Às vésperas dos jogos de Paris, meu convite é que nos inspiremos pelo autêntico espírito olímpico para fazermos um ajuste de rota, incorporando em nossas vidas a virtude da colaboração e da inteligência social. Podemos optar pelo que Carse chama de Jogos Infinitos, aqueles jogados pelo puro prazer de jogá-los, sem desejo de terminá-los ou de eliminar oponentes. O jogo infinito existe para continuar, porque é bom.
Podemos começar no micro, ajudando quem precisa em nossas comunidades, círculos sociais e espaços de trabalho. Se colaborarmos mais e ficarmos menos obcecados por vitórias individuais, talvez possamos mudar o destino de um mundo que parece estagnar diante de seus principais desafios. Tenho esperança porque nossa espécie é capaz de se reinventar, sobretudo quando percebemos que a rota escolhida pode não ter sido a melhor.
Paulo Monteiro é filósofo, professor, consultor e autor do livro Antimanual Filosófico: para pessoas inquietas com dogmas organizacionais.