Indiciamento de deputados por opiniões na tribuna é prática de regimes autoritários. Parlamentares estão protegidos pela inviolabilidade material, prevista no Artigo 53 da Constituição Federal. Trocando em miúdos, o artigo trata da imunidade parlamentar que garante aos parlamentares, ao falarem na tribuna, que não sejam punidos por quaisquer palavras, opiniões e votos. Mas, mesmo assim, os deputados federais Marcel Van Hattem (NOVO-RS) e Cabo Gilberto Silva, do PL da Paraíba, foram indiciados pela Polícia Federal, na segunda-feira (25), por opiniões proferidas na tribuna.
Perseguição política
Ambos os parlamentares estão sendo indiciados por supostamente terem cometido crimes contra a honra, injúria e calúnia, contra o delegado da Polícia Federal, Fábio Schor, em agosto passado. Van Hattem, em agosto, acusou o delegado de produzir relatórios fraudulentos sobre Filipe Martins, ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro. Disse, ainda, que o delegado teria agido “como bandido”. Filipe Martins foi preso em 8 de fevereiro na operação Tempus Veritatis, que investiga suposta tentativa de golpe no governo Bolsonaro. Ganhou liberdade provisória em 9 de agosto. Uma semana depois, Van Hattem teceu críticas ao delegado na tribuna da Câmara Federal.
“Furos“ e “inconsistências “
O deputado do NOVO, ainda, tem criticado a operação Contragolpe, da PF, alegando que os relatórios ”têm mais furos que queijo suíço. São cheios de inconsistências. Eles fazem uma narrativa na imprensa para ir colando no público”, afirmou, na tribuna.
“Regime autoritário”
O indiciamento dos dois parlamentares tem causado indignação até, mesmo, ao presidente da Câmara, Arthur Lira. Calado, até, então, Lira, a partir da notícia do indiciamento, talvez, buscando fazer média, ou talvez, com sinceridade, finalmente discursou em favor dos deputados e da liberdade de expressão na tribuna garantida pela imunidade parlamentar. Para Lira, o indiciamento é imerecido. “Criminalizar o discurso parlamentar na tribuna é prática de regime autoritário. A imunidade parlamentar é essencial para o funcionamento da democracia“. O presidente da Câmara disse que vai tomar providências. Resta saber se é, apenas, demagogia de um presidente da Câmara que quer eleger seu sucessor em fevereiro próximo ou se vai tomar providências, mesmo. Difícil acreditar que Lira faça alguma coisa às vésperas do recesso parlamentar, que inicia em meados de dezembro e só termina no início de fevereiro…
Ameaça a democracia
Contudo, o discurso do presidente da Câmara, demagógico ou não, é importante para embasar a indignação de muitos. Não seria de bom tom o presidente da Câmara deixar passar em branco essa questão. Configura-se extremamente grave este indiciamento. Não há dúvidas de que se trata de uma ameaça à democracia, à independência entre os poderes e ao livre e pleno exercício dos mandatos dos parlamentares.
Autocensura
A partir destes indiciamentos, é alto o risco de parlamentares começarem a praticar a autocensura por medo de retaliações e perseguições policiais e judiciais. Por mais que não se concorde com o que é dito na tribuna, é prerrogativa de todo parlamentar poder discursar com liberdade de palavras e opiniões. Eis, a essência da democracia. Parlamentares são representantes do povo e, como tais, podem e devem pronunciar-se na tribuna em defesa do que acreditam. É inaceitável, inconcebível que a imunidade parlamentar esteja ameaçada seja pela Polícia Federal ou pelo Poder Judiciário. A própria Procuradoria Parlamentar da Câmara, em agosto passado, quando a PF decidiu investigar Marcel Van Hattem, já havia emitido um comunicado referindo-se a “interferência direta na autonomia do Poder Legislativo“.
Liberdade de opinião
Não podemos minimizar estes indiciamentos com base em nossos julgamentos pessoais e preferências políticas e ideológicas. Os deputados que criticaram a Polícia Federal nestas operações podem estar errados (ou não) em suas avaliações sobre os relatórios e atuação do delegado. No entanto, têm todo o direito de opinarem na tribuna. Onde vamos parar se parlamentares eleitos pelo povo não puderem mais expressar opiniões e avaliações sobre atos e decisões de órgãos, instituições ou outros poderes constituídos?
Democracia ameaçada
Não se trata de concordar com os discursos. Mas a essência do parlamento é o uso da palavra na tribuna. É preciso opor-se frontalmente a esse abuso de autoridade por parte da Polícia Federal. O deputado bem poderia ter sido rebatido em suas duras críticas ao delegado por qualquer outro parlamentar que o considerasse equivocado, mas, a Polícia Federal censurar, perseguir, não. O parlamento foi criado justamente para isso. Para o debate, a pluralidade de ideias, a presença do contraditório. Se a liberdade de opinião na tribuna for censurada, a democracia morre. Será melhor fechar o Congresso Nacional diante de tamanha afronta a independência e autonomia do Poder Legislativo.