quinta-feira, 19 de setembro de 2024
“PL do estupro” só serviu para ressuscitar as manifestações populares de rua dos progressistas

Vanessa Martins de Souza

Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

“PL do estupro” só serviu para ressuscitar as manifestações populares de rua dos progressistas

A tramitação do famigerado PL 1904, tachado de “PL do estupro” – e que equipara ao crime de homicídio a prática do aborto após 22 semanas de gestação, mesmo, em caso de estupro – foi adiada para agosto, após o recesso parlamentar. Uma decisão resultante de intensos protestos que tomaram as ruas de diversas capitais. O presidente da Câmara, Arthur Lira, e a bancada evangélica tomaram um susto com tamanha repercussão negativa do projeto de lei de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). Uma proposta que chocou, não, apenas, aos progressistas, mas, a parcela de direita mais moderada, não adepta a extremismos, em razão do PL terminar por afetar, especialmente, meninas menores de idade que engravidam devido ao estupro.

Lira recuou, de forma desajeitada, constrangedora, visando “tirar o corpo fora”, em declaração a imprensa, na terça-feira (18.06). Cometeu a desfaçatez de afirmar que jamais pretendeu aprovar o PL sem debate. Adiou para o mês de agosto a tramitação a partir da formação de uma comissão que ainda passará por eleição de seus membros. Disse que não haverá retrocesso, nem prejuízos às mulheres. “Amplo debate, exaurindo-se todas as discussões, garantindo segurança jurídica, humana, moral e científica”, defendeu.

 

“Média” com evangélicos

O parlamentar alagoano, seguramente, não quis carregar esse ônus sozinho, visto que o PL, sequer, é uma pauta de interesse de seu mandato, marcado pelo fisiologismo puro. Apenas, usou o PL para “fazer média” com a bancada evangélica por que precisa dos votos destes parlamentares para eleger seu sucessor, nas eleições de fevereiro de 2025. Além de visar “emparedar” o presidente Lula numa questão que poderia se revelar uma verdadeira “casca de banana” ao presidente. O petista, sob pressão, teve de declarar publicamente sua opinião sobre o PL, assim como a primeira-dama Janja, e outros membros do governo. Lula, por exemplo, disse que é contra o aborto, mas que o PL 1904 é inaceitável. Primeiramente, cometeu uma gafe estrondosa ao classificar de “monstro” uma criança nascida de um estupro. No dia seguinte, a assessoria de comunicação do presidente já havia editado este trecho constrangedor, indelicado, da declaração do petista. Mas o fato é que a “casca de banana” foi jogada e Lula escorregou com este excesso na linguagem. Uma analogia infeliz, enfim.

 

“Fora, Lira”

Mas quem se deu muito mal, mesmo, foi Lira. Nos protestos de rua, o “fora, Lira” esteve em foco. Como se o presidente da Câmara fosse o único responsável pela aprovação em regime de urgência. Como se a ideia tivesse partido somente de Lira, como se ele fosse o maior interessado na defesa do projeto. Foi perceptível o oportunismo da esquerda para atacar Lira. Muito embora, a pauta dos protestos realmente constitua-se numa bandeira histórica da esquerda, foi perceptível que o progressismo tentou “matar dois coelhos com uma cajadada só”, tentando encontrar um pretexto para pedir a cabeça de Lira, o poderoso em Brasília que vive a atrapalhar os planos de Lula no Poder Legislativo.

 

Recuo tático

Como não é bobo, o presidente da Câmara sentiu a pressão e foi saindo de fininho. Percebeu que iria levar a culpa sozinho, que seria o único a desgastar-se politicamente e recuou. Na coletiva de imprensa, destacou que nada na Casa é fruto de uma decisão unilateral que parta somente dele. Lembrou que, na Câmara, todas as decisões são democráticas e, que, sendo, assim, o colegiado de líderes teria decidido adiar a tramitação do PL. “Não governo sozinho, não é verdadeira essa narrativa”, salientou.

 

Progressistas voltam às ruas

O resultado de toda a inutilidade deste disparatado PL, criado, apenas, para afrontar uma liminar de Alexandre de Moraes contra decisão do Conselho Federal de Medicina e jogar no PT e em Lula a pecha de “abortistas”, foi o despertar dos progressistas para os protestos de rua. A esquerda, até, então, havia perdido o protagonismo nas ruas. Há anos, quem conseguia levar o povo às ruas era, somente, Bolsonaro. Dessa vez, um grotesco PL sobre aborto tardio, envolvendo estupro, inclusive, conseguiu despertar reações inesperadas não, apenas, da esquerda, mas de liberais de centro e de direita. E até de alguns conservadores mais moderados. Ficou feio para a bancada evangélica, para Arthur Lira e para os parlamentares de Centro. Estes últimos, aliás, já ensaiam uma possível desistência do voto favorável.

 

Sem chance, no Senado

Arthur Lira, também, deve ter recuado ao verificar a sinalização desfavorável do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. O mineiro declarou, com veemência, sua posição contrária ao PL e que não admitiria no Senado uma tramitação sem amplo debate. O presidente da Câmara terminaria por ficar isolado na defesa de um PL que, sequer, representa uma pauta cara a seu mandato, visto que nunca foi um conservador, muito menos, membro da bancada evangélica.

 

Censura do “Xandão”

Enfim, o presidente da Câmara, durante uma semana inteira, apanhou muito na imprensa, nas redes sociais e nos protestos de rua. E ainda correu o risco de ver sua ex-mulher desenterrar fatos do passado em que o acusou de violência doméstica. A “ex” do alagoano cogitou a hipótese de ir ao Congresso Nacional contar tudo o que teria sofrido nas mãos dele. Lira ficou tão apavorado que recorreu a Alexandre de Moraes pedindo censura a todo conteúdo disponível nas redes sociais contendo as acusações de sua ex-mulher sobre violência doméstica. Inclusive, uma entrevista que a “ex” deu a Folha de São Paulo, em 2021. O conteúdo foi descaradamente censurado por Alexandre de Moraes a pedido de Lira. Mas, menos de 24 horas depois, Moraes deu-se conta que passou de todos os limites em relação a censura e recuou, liberando o conteúdo com a justificativa de se tratar de material antigo. Mesmo o fato de Lira ter sido inocentado na justiça não justificaria o bloqueio, uma vez que se trata de material antigo que já se encontrava disponível ao público.

 

União dos progressistas

Enfim, este é o Congresso Nacional que temos. Este é o STF que temos. Tanto tempo, tanto “blá-blá-blá” e recursos públicos gastos com um PL absurdo, grotesco, que, provavelmente, será engavetado por Lira, afinal, em pleno ano de eleições municipais, quem irá arriscar “queimar a cara”, mais ainda? E que só serviu para ressuscitar a participação dos progressistas nas manifestações populares de rua.

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