quinta-feira, 19 de setembro de 2024
“PEC das Praias” é desnecessária quando é possível obter redução nos tributos a partir da reforma tributária

Vanessa Martins de Souza

Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

“PEC das Praias” é desnecessária quando é possível obter redução nos tributos a partir da reforma tributária

Graças a uma “treta” nas redes sociais entre a atriz Luana Piovani e o Neymar, a PEC 03/2022, chamada de “PEC das Praias”, ganhou mais atenção do povo brasileiro, levando-o a melhor conhecer sobre de quê, afinal, se trata a Proposta de Emenda Constitucional que tramita no Senado. Querem privatizar as praias no país? Ou tudo não passaria de um “mal entendido”.

 

Aprovação fácil na Câmara

Para bem compreender todas as implicações da PEC 03/2022, já aprovada, com folga, na Câmara dos Deputados em dois turnos durante o Governo Bolsonaro, em 22 de fevereiro de 2022, é necessário deixar de lado o viés ideológico e ampliar o raciocínio para um entendimento mais abrangente, bem longe da polarização que costuma simplificar demais as coisas. “Se o PT é contra, então, é bom para o país e o povo”. É assim que costumam dizer os bolsonaristas, não? Por outro lado, a esquerda não costuma deixar por menos e se posiciona contra tudo o que a direita propõe. Porém, em relação a essa PEC, as coisas não podem ser interpretadas de forma tão simplista. Para começar, ela é de autoria de três ex-parlamentares lá dos idos de 2011, quando apresentada no Congresso Nacional: Arnaldo Jordy (PPS-PA), José Chaves (PTB-PE) e Zoinho (PR-RJ). Depois de alguns anos parada na Câmara, em 2015, foi aprovada na CCJ. E somente em 2022 levada a votação em plenário, durante o governo Bolsonaro. Aprovada com ampla maioria na Câmara, inclusive, recebeu alguns votos de parlamentares de esquerda, de partidos como o PC do B – que orientou a bancada pelo “Sim”, aliás – de alguns poucos deputados do PT, e um pouco mais do PSB. Lamentavelmente, à época, a PEC foi aprovada em dois turnos na Casa, facilmente, sem grande repercussão na imprensa e nas redes sociais e, portanto, sem nenhuma polêmica ou debate público.

 

Governo Lula é contra

Mas, agora, o governo federal é do PT, e já declarou ser contrário a “PEC das Praias”. Uma Proposta de Emenda Constitucional que não trata diretamente de privatização das praias, é importante destacar.

 

Praias “privativas”

Porém, teme-se que, na prática, o acesso do público a determinadas praias no país possa ficar muito restrito, dificultado ou, mesmo, impedido, em razão de interesses da iniciativa privada. A PEC 03/2022 trata da transferência dos terrenos à beira-mar, da orla do litoral brasileiro, a gestão de estados e municípios, ou, até, dos proprietários privados. Atualmente, a Constituição Federal determina que os terrenos até 33 metros depois da praia, contados quando em maré cheia, pertencem a gestão da União, sendo considerados, ”terrenos de marinha”. Como consequência, os proprietários de imóveis à beira-mar devem pagar altas taxas e tributos, a exemplo da taxa de foro e do laudêmio, este último cobrado em 5% do valor da venda do imóvel, no caso de transferência para outro proprietário.

 

Alta tributação

Flávio Bolsonaro defende que são valores muito altos pagos a União, sem o devido retorno ao contribuinte. A ideia é transferir a gestão dessas terras para estados e municípios, ou, mesmo, para a iniciativa privada. Ao baratear a cobrança dos tributos dessas propriedades, com a transferência para o poder municipal ou estadual, o senador do PL acredita que seria, ainda, um estímulo à chegada de novos investimentos, permitindo mais geração de emprego e renda a municípios litorâneos. E ainda levando mais arrecadação aos cofres públicos municipais e estaduais, ao invés, de contribuir com os cofres da União.

 

Especulação imobiliária

Teoricamente, a ideia não parece ruim. Pode até empolgar aos desavisados. Mas, a proposta evidentemente deverá favorecer a especulação imobiliária sem critérios, em áreas de preservação ambiental. São terrenos muito próximos da praia, enfim, áreas de mangue, de restingas, de rica biodiversidade, algumas com partes de Mata Atlântica. Aqueles imóveis, em resumo, de frente para o mar, fazem parte de todo um ecossistema muito delicado, imensamente sujeito a transformações resultantes das mudanças climáticas.

 

Retrocesso ambiental

Há climatologistas que consideram um retrocesso retirar a gestão da União quando a perspectiva é de que, daqui a trinta anos, estas terras já estarão invadidas pelo mar devido ao aumento dos níveis dos oceanos, as ressacas, os ciclones e temporais que deverão se tornar cada vez mais intensos nas próximas décadas. Seria muito temerário deixar nas mãos de governadores e prefeitos sujeitos aos apelos da especulação imobiliária para burlar regras e leis ambientais. Além do mais, as decisões estariam sujeitas às políticas públicas específicas de cada prefeito ou governador, se de direita, de centro ou de esquerda. Negacionistas das mudanças climáticas ou não… A tragédia climática no Rio Grande do Sul demonstrou ao país o quanto é arriscado deixar a critério de cada prefeito políticas ambientais que terminam por afetar a população inteira de um estado.

 

Interesses econômicos

Há ainda a preocupação, muito bem fundamentada, com o domínio da especulação imobiliária nas decisões e práticas adotadas no entorno. Interesses econômicos podem terminar por limitar, restringir, e, até, mesmo, impedir o acesso do povo a determinadas praias em frente a grandes hotéis e resorts. Isso já acontece em algumas praias “vip” no país, a exemplo do Nordeste, Rio de Janeiro e litoral de São Paulo. Todo brasileiro sabe que rico não gosta de se misturar com pobre na praia, o local de lazer ainda mais democrático no país. Quem é que garante que grandes incorporadoras imobiliárias não vão construir resorts e condomínios fechados com acesso restrito às praias em frente, no mínimo, constrangendo os demais a obterem acesso a faixa de areia? Esse tipo de dificuldade e constrangimento já acontece em praias consideradas mais privativas. Uma eventual mudança na legislação só daria o respaldo a uma prática cada vez mais ousada desses grandes empreendimentos imobiliários e de turismo direcionados às classes sociais mais altas.

 

Mais arrecadação

A PEC não privatiza as praias, mas, na prática, é o que deverá acontecer em certas localidades. Prefeitos de cidades litorâneas frequentemente só pensam em arrecadação de tributos com o turismo e costumam favorecer aos interesses de especuladores imobiliários. A “treta” da Piovani com o Neymar colocou em pauta justamente supostos interesses do atleta do futebol em fazer sociedade com uma grande incorporadora imobiliária que pretende investir em um condomínio de luxo no Nordeste transformando-o num “Caribe brasileiro”. Este seria o motivo de Neymar apoiar a PEC, segundo a atriz. O atleta nega as acusações.

 

Acesso público às praias

Flávio Bolsonaro, após a péssima repercussão da PEC perante a opinião pública, prometeu reforçar no texto a garantia da manutenção do acesso público e irrestrito às praias. Mas quem se sentiria seguro de que a legislação seria respeitada se os terrenos passarem a ser de responsabilidade da gestão de prefeitos e governadores? Na verdade, mesmo sendo da União, já não se respeita muita coisa nestas áreas da orla marítima, e, tampouco, cuida-se do meio ambiente como se deveria. Porém, talvez, a PEC equivocadamente busque resolver um problema abrindo uma brecha para problemas maiores ainda. Mais certeiro seria o Congresso Nacional aprovar mudanças na legislação tributária, diretamente, obtendo-se uma redução nos percentuais das taxas e tributos pagos pelos proprietários de imóveis a União.

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