quinta-feira, 19 de setembro de 2024
Para Lula, há alguns culpados pela fome que não são os próprios governantes

Vanessa Martins de Souza

Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

Para Lula, há alguns culpados pela fome que não são os próprios governantes

“Se a gente produz alimentos demais e se tem gente passando fome, isso significa que alguém está comendo mais do que deveria”. Esse foi um trecho do discurso do presidente Lula durante a cerimônia de recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. A fala do petista tem sido muito criticada na imprensa e redes sociais, gerando, inclusive, piadinhas.

Lula estaria culpando os gordos, que comem demais, pela fome no país? ”Cuidado com a gordofobia, Lula”, riem, nas redes sociais. Obviamente, Lula não se referiu aos gordos que supostamente comem demais. Porém, a forma com que se expressou, se interpretada literalmente, favorece esse tipo de interpretação. O comentário, no meu entendimento, foi infeliz não porque teria criticado quem supostamente come mais do que deveria. Mas, pela forma equivocada, simplista, com que interpreta o problema da fome no Brasil.

Má distribuição de renda

Na verdade, o que Lula quis dizer é que existe uma má distribuição de alimentos no país, onde poucos contam com muita comida (inclusive, ele citou até o desperdício de alimentos), e muitos contam com pouca comida. O presidente ainda lembrou que há brasileiros com sobrepeso e que isso é prejudicial a saúde. Enfim, fez uma salada mista de constatações que mais confundiram do que esclareceram. O pior de tudo é que não foi até a raiz do problema, que é a má distribuição de renda e de riquezas a causa da má distribuição de alimentos. Aliás, o termo distribuição não seria apropriado, afinal, não se trata simplesmente do governo distribuir de forma mais igualitária, mas, sim, de proporcionar meios para que a população obtenha poder aquisitivo, poder de compra, para garantir seu sustento e da família toda. Quando se fala em distribuição, é referente a programas sociais como o Bolsa Família, que ajudam muito, de forma temporária, mas, não resolvem a longo prazo a dependência ao governo por parte dos contemplados.

Escassez de alimentos

Da forma com que Lula fala, passa a impressão que a esquerda ainda não descolou-se do conceito de que para alguém ganhar, outros têm de perder. Como se a produção de alimentos fosse limitada e que o povo passa fome porque há escassez de alimentos. Então, uns teriam de ter menos para poder sobrar para todos. Não, esse conceito é equivocado, afinal, ele, mesmo, afirmou que o Brasil produz alimentos demais. Não haveria falta de alimentos se sucessivos governos tivessem investido em políticas públicas sérias para garantir empregos e geração de renda a toda a população. Se tivesse havido uma política econômica que contemplasse o controle da inflação e focasse, também, no consumo interno ao invés de priorizar as exportações de forma irrestrita. Se tivéssemos tido governantes dispostos a investir fortemente em educação e capacitação profissional a fim de garantir empregos com salários razoáveis a todas as famílias.

Fome e crescimento econômico

A única coisa que poderá acabar com a fome no país é a garantia de que a economia vai crescer, gerar empregos, e que toda a população economicamente ativa esteja qualificada para ocupar essas vagas. Pois, de nada adianta gerar empregos se não há profissionais qualificados para ocupar tais vagas.

Simplismo

É uma pena que Lula tenha reduzido tudo a uma forma simplista de encarar um problema tão complexo, que requer investimentos em muitas frentes. Preferiu instigar uma espécie de rancor, talvez, contra as classes mais altas que, todos sabemos, gastam muito mais com alimentos, contando com suas despensas de casa bem abastecidas de muita comida boa e cara.

STF e gastos nababescos

E se alguém está comendo demais, os primeiros a abrir mão deveriam ser os nababos do STF, especialistas em encomendar camarão, lagosta, bebidas caras e caviar. E tudo pago com dinheiro público. Se alguém tem de perder para outros ganharem, deve-se começar por aí: banindo os luxos e mimos dos funcionários públicos dos altos escalões da República. O Poder Judiciário, nos estados, por exemplo, conta com certos auxílios que são um verdadeiro escárnio, a exemplo do auxílio para comprar frutas, e também há auxílio para compra de livros. Como se o salário dos magistrados não fosse o suficiente…

Obesidade e fome

O problema da obesidade foi bem observado pelo presidente. Mas, vale lembrar que nem sempre a pessoa com obesidade ou sobrepeso está bem alimentada em termos de qualidade nutricional. Frequentemente, não está. Logo, não se trata de deixar de comer demais para que sobre para os pobres. Há certos alimentos, altamente nocivos a saúde, que devem ser dosados a todos, a exemplo do açúcar e carboidratos. É uma questão de qualidade da alimentação muito mais do que de quantidade o que importa. No final das contas, se Lula tivesse dito que a fome depende de políticas públicas de longo prazo para ser eliminada, teria dito algo sensato, evitando ser motivo de piadas e críticas. Mas, preferiu o sensacionalismo barato, como se houvesse alguns culpados pela fome que não fossem nossos próprios governantes ao longo da História.

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