Jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação /// Twitter@GaudTorquato

Oração pela pátria

Pai nosso que estás no Céu, santificado seja o vosso nome!

Pedimos as suas bênçãos, Senhor, nesse tormentoso ciclo em que nosso país registra mais de 150 mil mortos de uma pandemia que já contaminou até o momento 5,1 milhões de pessoas em todos os estados. Ouça nossa prece, Senhor, antes que a mortandade continue a se expandir pelo território.

É bem verdade, Senhor, que habitamos um território belo e imenso, do tamanho de um continente, que até abriga a maior reserva de água doce do mundo, 12% do total existente nos 193 países do nosso planeta, mas os nossos biomas terrestres – Mata Atlântica, Amazônia, Cerrado, Caatinga e Campos do Sul – padecem de secas, queimadas, incêndios perpetrados por espíritos maldosos. Estamos ameaçados de perder os 20% das espécies que habitam o planeta. Nosso torrão nunca viu destruições tão monumentais, mesmo sem o poder destruidor de tufões, terremotos e furacões que consomem nações poderosas.

Pero Vaz de Caminha certamente tinha razão, Senhor, na carta escrita ao rei Dom Manuel em 1º de maio de 1500, ao descrever que a terra descoberta pelo comandante português Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril, “em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem”. Também é verdade, Senhor, que mãos sorrateiras surrupiam parcelas das nossas riquezas naturais.

Agradecemos, Senhor, pela extrema generosidade com que nos agraciou, dando-nos terra tão rica, onde se plasmou a índole de uma gente singular, assentada em um “processo de equilíbrio de antagonismos”, como ensina o mestre Gilberto Freyre: as culturas europeia, indígena e africana; o católico e o herege; o jesuíta e o fazendeiro; o bandeirante e o senhor de engenho; a paulista e o emboaba; o pernambucano e o mascate; o bacharel e o analfabeto; o senhor e o escravo”. Mas as desigualdades têm se expandido ao longo de séculos.

A convivência entre contrários plasmou um caráter cordial, um povo hospitaleiro, afeito à paz, acessível, mesmo que também carregue traços negativos, como ilustra Afonso Celso em seu clássico Por que me Ufano do meu País: “falta de iniciativa, falta de decisão, falta de firmeza”.

Que venha a nós o vosso Reino!

Que venha logo, Senhor. Antes que o nosso Pantanal seja tragado pelo fogo. Antes que a boiada passe nas fronteiras da ilicitude e das estripulias de gente sem escrúpulo. Antes que a extrema pobreza volte a massacrar a base da nossa pirâmide social. Que se derrube para sempre esse muro que separa “nós e eles”. Vivemos um clima de guerra aberta. Irmãos contra irmãos. A violência urbana volta a assolar bairros, ruas, vielas das grandes e médias cidades. Nosso mais bonito cartão postal, o Rio de Janeiro, virou praça de guerra. Balas perdidas matam crianças e sonhos.

A velha luta de classes, Senhor, aposentou suas armas após a queda do muro de Berlim, em 1989, mas por estas plagas figuras que cultivam o populismo teimam em defender a litigiosidade social, pregando a “revolução”, o fim das elites e do ideário progressista.

Dai-nos, Senhor, bom senso para evitarmos usar as armas da intolerância e da condenação aos infernos de quem ousa discordar de métodos como invasão de propriedades, depredação de patrimônios, incitação à violência. Queremos paz. Aquele sinal de uma sociedade que podia sair de casa sem medo de assaltos, roubos, tiros. Tempos bucólicos aqueles dos dias de ontem.

Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu.

Que a vossa vontade, Senhor, chegue até nós sob a paz dos céus baixando no nosso território, elevando os menos favorecidos a degraus superiores e dando aos habitantes do alto da pirâmide social nobreza de espírito para minorar desigualdades e enxugar as lágrimas dos aflitos.

Perto de 15 milhões de brasileiros estão desempregados, Senhor, e outros milhões não têm recursos para comprar comida em quantidades necessárias para sua sobrevivência. Falta pão sobre a mesa nos lamacentos espaços das periferias das grandes cidades, onde favelas, palafitas, construções de papelão e lonas plásticas desenham a estética da miséria.

O pão nosso de cada dia nos daí hoje. Esse pão que é para uns e escasso para outros.

Rogamos, Senhor, que injete na consciência dos homens públicos o dever sagrado de cumprir sua missão sem manchas. Temos uma eleição no próximo mês. Ilumine, Senhor, a consciência dos candidatos, fazendo-os assumir compromissos para garantir qualidade aos serviços públicos. E não permitam aumentos exagerados de impostos.

Perdoai as nossas ofensas. Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.

O perdão, Senhor, é para as ofensas do nosso cotidiano, essas comuns que se revelam em deselegância na interlocução, em gestos mal educados que ferem a sensibilidade do interlocutor. Mas assaltantes do Estado, que formam as milícias do poder invisível, esses precisam prestar contas à Justiça.

E não nos deixei em tentação, mas livrai-nos do mal.

Amém!.

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