Dia desses estava em deslocamento necessário quando parei no semáforo com vista panorâmica para a faixa de pedestres. Era cedo, por volta das sete horas e quinze minutos, quando alguns jovens estudantes do Ensino Médio atravessavam rumo à uma escola pública. Fazia tanto tempo que não observava um movimento desses que cada detalhe me chamou a atenção.
Notei que a calçada de “origem” dos estudantes era também a de um enorme estacionamento. Olhando para o outro lado, a calçada da própria escola, observei a presença de uma mulher na porta de entrada, segurando um pote de cerca de três litros de álcool gel. Simbolicamente, estavam os estudantes saindo de um longo período de afastamento físico das escolas – o estacionamento – e aceleravam rumo ao “grande retorno” – será que o farol iria fechar e por isso a pressa?
Segui meu percurso e não sei que aulas eles tiveram naquele dia, nem a história de cada aluno e de cada profissional que esteve presente naquele espaço. Só que aquelas imagens não saíram de minha mente, enquanto quase simultaneamente, me recordava de alguns depoimentos e estudos sobre a educação básica no Brasil durante a pandemia, seus desafios e potencialidades. Qual desses você ouviu mais? Tendo a acreditar que foram mais desafios, não?
Porém, houve relatos de profissionais e escolas públicas que se destacaram na adaptação para o ensino remoto, que se desdobraram para atender, desde como educar de crianças em tenra idade pelo computador – ou celulares, ainda que emprestados – ou como fazer para chegar em casas sem tecnologia (conectividade é um dilema), até como gerar conteúdo que pudesse repercutir em engajamento dos jovens adolescentes. No outro extremo, crianças vivendo as mudanças nas rotinas e jovens encarando essas, cada qual à sua maneira, enquanto a discussão se voltar para o presencial seria realidade ou não, se seriam eles também vacinados ou não, se teria aprovação ou não se seguia. Seguiu…
Muitos acreditam que houve um verdadeiro gap na educação, o qual “jamais será recompensado.” A espera pelo “grande retorno” presencial seria o divisor de águas. Eu o vi acontecer naquele dia, naquele semáforo, só que estudos comprovaram que de fato há escolas no Brasil ainda com dificuldade com acesso à água e higiene. Aliás, nem todos os prédios estavam preparados para o retorno.
Porém, a pergunta que tenho feito é qual escola pública já existia antes da pandemia e qual se desenha agora? Estudei e escuto há muito tempo que a educação deve gerar “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. É parte do trecho do artigo 205 da Constituição Federal. Reconheço que há muitos profissionais sérios no Brasil trabalhando por isso, porém as contas não estão fechando e há tempos não fecham. Esse é o ponto.
É já de conhecimento notório que os países que focaram e investiram em educação deram saltos em desenvolvimento. Sabem aqueles dados de pessoas que quando tiveram acesso à educação de qualidade… então? Sabem aqueles dados de que um aluno que termina os estudos terá em maiores chances de empregabilidade… então? Nós sabemos tudo isso, sabemos mesmo. Mas a conta segue sem fechar e os resultados de nível de aprendizado em matemática e língua portuguesa continuam a assustar…
Além disso, assustam ainda os dados de acesso às tecnologias, a falta que a escola presencial faz para a nutrição das crianças e adolescentes, a importância do material didático e os muitos desafios decorrentes, ao qual somo um novo e específico decorrente da pandemia: o acolhimento em saúde mental dos estudantes e, porque não dizer, de todos os profissionais da educação.
Precisamos – é dever do Estado, da família e da sociedade – pensar, mapear as boas práticas e bons resultados, e existem muitos. É ainda necessário mapear os desafios para que a educação seja em resumo capaz de gerar desenvolvimento humano sustentável. Essa reflexão vale para escolas públicas e privadas, da educação básica: como podemos melhorar? Aliás, observamos que as boas escolas, como sabemos que também existem e são muitas, sempre planejam melhoramentos para adaptação ao momento presente e projeção de futuro. Melhorias integram a essência de espaços assim.
Haverá muitas respostas para essa pergunta, porém a meta 4.7 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas apresenta uma ideia que penso que resume o que se espera da educação: “Até 2030, garantir que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável” (ONU, on-line).
Não seria suficiente isso para a transformação do mundo? Segundo a Agenda, a meta pode e deve ser realizada em um espaço de tempo que já parece curto… que tal atuarmos cada vez mais para que isso ocorra antes? Lembremos que a educação é um direito humano fundamental, um direito que exige políticas contínuas para que venha a atingir toda sua potencialidade.
Ah, e os jovens que vagamente agora poderiam escrever? Não comentei, havia mais moças que rapazes na faixa de pedestres. Todos estavam com mochilas daquelas que parecem vazias. Só que sobre o material escolar nem vou comentar nada agora, apenas registro que espero que naquelas mochilas encontremos ainda o compartimento da esperança. Se bem que esperança, como uma virtude, não ocupa fisicamente espaço, mas cada aluno e cada professor representa, para mim, a esperança em forma física. Como humanidade, cuidemos de esperançar!
Aline da Silva Freitas é professora e doutora em Direitos Humanos, mestre em Direito Político e Econômico e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas.