Fui e ainda sou muito fã da série americana “House”. Para quem nunca viu, a série é inspirada em outro personagem excêntrico, Sherlock Holmes e seu fiel escudeiro, John Watson. Não é nem um pouco por acaso que o melhor e único amigo do Dr. Gregory House é o oncologista James Wilson. Homes é House. Ou vice-versa. Watson e Wilson também tem essa correspondência. House, como um Sherlock de jaleco, percebe sintomas e correlações que fogem à percepção de todos os colegas para fazer diagnósticos impossíveis. Um paciente me chama secretamente de Dr. House, seja pelo meu conhecimento médico, ou, mais provavelmente, pela boca um tanto dura quando o paciente está atrapalhando seu próprio tratamento, o que é mais frequente do que se pensa. Mas o assunto não sou eu, e sim, o Dr. House. Lembro de um episódio em que ele está num avião com a Dra Cuddy, sua chefe na maior parte da série, e um passageiro começa a ter um quadro de náuseas e vômitos, que parece uma intoxicação alimentar e a aeromoça pergunta se tem algum médico a bordo, e lá vai o mal humorado Dr. House e Dra Cuddy examinando o cara. A situação fica dramática quando outros passageiros começam a desenvolver os sintomas, e House começa a fazer todo tipo de investigação para tentar descobrir de onde vem esse agente infeccioso e como está sendo transmitido a todos os passageiros e tripulantes do avião. No final do episódio, me perdoem o spoiler, House descobre que não há nenhuma infecção se espalhando, mas uma epidemia psíquica, em que as pessoas se acreditam doentes por auto sugestão. Quando falou no interfone da aeromoça que não havia nenhuma bactéria rara e que estava todo mundo sugestionado, a “epidemia” acabou rapidamente.
Nossa mente produz sintomas, nossas crenças nos fazem adoecer ou melhorar. Nos Estados Unidos tem uma empresa que vende pílulas coloridas de Placebo e declaram que aquilo é um placebo. As pessoas compram, tomam e melhoram. E sabem que aquilo é Placebo.
Estudos com antidepressivos estão cada vez mais difíceis de serem diferenciados de Placebos, pois décadas de informação e propaganda da eficácia de antidepressivos fazem que a pessoa acredite que vai melhorar mesmo tomando uma cápsula de farinha. Os laboratórios e os centros de pesquisa estão disputando a tapa as pessoas que NÃO melhoram quando tomam o Placebo, ou seja, são pouco sugestionáveis.
O livro “Cura”, de Jo Marchant, descreve um estudo encantador com pacientes que apresentavam a Síndrome do Colon Irritável, um quadro bastante desagradável e limitante, com episódios de diarreias e dores abdominais que, muitas vezes, limitam a locomoção e a vida pessoal e profissional dos pacientes. Nesse estudo, de 2008, pacientes com essa síndrome passaram por três tipos de tratamento: o primeiro grupo não recebeu tratamento nenhum. O segundo grupo recebeu um tratamento com acupuntura fake, sem relação com sua queixa, e feita por um terapeuta seco que não interagia com os pacientes. O terceiro grupo foi tratado por um acupunturista atencioso e afetivo, que passava bastante tempo na consulta e fazia também aplicações de agulhas sem relação com a queixa intestinal. O primeiro grupo, sem nenhum tipo de tratamento, teve 28% de melhora. O segundo grupo, que recebeu acupuntura de um antipático, teve 44% de melhora. O terceiro grupo, com um médico afetivo e interessado, teve um índice de melhora de, pasmem, 62%. O efeito placebo, presente em todos os que responderam ao tratamento, foi aumentado pela sensação física da agulha e duplicado pela gentileza do profissional de ajuda.
Será que vivemos num tempo em que as pessoas são tão abandonadas às próprias angústias e a um Sistema de Saúde que não dá conta de suas demandas, que o simples fato de participar de um estudo em que passam por triagens, entrevistas e, sobretudo, recebem Atenção de um grupo de pessoas, já produz um resultado positivo em 30% dos pacientes, o que mais que dobra se um profissional atencioso faz o atendimento? O caro leitor, a cara leitora podem imaginar a quantidade gigantesca de recursos que os governos e os Planos de Saúde poderiam economizar apenas enfatizando a coisa mais antiga da prática da Medicina, que consta no Juramento de Hipócrates, que é a relação Médico/Paciente?
O médico hoje é formado e pressionado para ser mais Holmes do que House. Precisa colecionar evidências como um bom detetive faria para tirar suas conclusões e iniciar tratamento. O efeito Placebo é uma distração para o cientista, em busca da precisão absoluta e imparcial do tratamento. Eu sou contra isso? Claro que não. Mas ter tempo e disposição para ouvir e um legítimo interesse em ajudar pode iniciar a cura muito antes de chegar o primeiro resultado de exame. E a relação Médico/Paciente ainda pode ser uma das melhores terapêuticas que temos à mão. Cientificamente falando.
Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação younguiano e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”