A identidade é um aspecto fundamental da nossa existência. Ela nos define, nos conecta com nossas raízes e molda a forma como nos relacionamos com o mundo. Por isso, é compreensível que a mudança de nome seja um tema de grande importância para muitas pessoas. Recentemente, uma nova lei federal tornou esse processo mais simples, rápido e acessível, proporcionando a oportunidade de reafirmar a própria identidade.
O caso de Francisco Conte Ficho, residente em Jaú (SP), é um exemplo tocante de como a mudança de nome pode ter um impacto profundo na vida de alguém. Aos 33 anos, ele finalmente conseguiu realizar duas mudanças significativas em seu nome: reduziu o prenome e aumentou o sobrenome, deixando para trás o antigo Francisco Egídio Conte. Para muitos, pode parecer um detalhe trivial, mas para Ficho, essa mudança representa o fim de um pesadelo que o acompanhou desde a infância.
Ficho não se sentia à vontade como Francisco Egídio, pois seu pai, Egídio, teve um casamento breve com sua mãe e pouco participou de seu crescimento. Ao assinar documentos, ele preferia abreviar ou simplesmente excluir o nome Egídio. Ao mesmo tempo, por ter sido criado exclusivamente pela mãe, achava injusto carregar apenas o sobrenome paterno, e não o materno. A mudança de nome, portanto, não era apenas uma questão de preferência, mas uma forma de reconhecimento de sua própria história e identidade.
Antes da nova lei, a mudança de nome era um processo burocrático e muitas vezes desgastante. Era necessário contratar um advogado, recorrer aos tribunais, apresentar uma justificativa plausível e aguardar a decisão do juiz, que poderia, no final, não autorizar a mudança de nome. Agora, basta apresentar o pedido diretamente a qualquer um dos 7.800 cartórios de registro civil do Brasil. O solicitante deve ter pelo menos 18 anos e pagar uma taxa que varia de R$ 100 a R$ 400, dependendo do estado.
Essa mudança legislativa é um marco importante na garantia do direito à identidade. Afinal, o nome é uma parte essencial de quem somos, e todos devem ter o direito de escolher o nome com o qual se identificam plenamente. A nova lei reconhece que a identidade não é estática, mas sim um aspecto fluido e em constante evolução.
A Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil (Arpen Brasil) estima que aproximadamente 5 mil brasileiros tenham recorrido aos cartórios nos últimos seis meses para mudar o prenome, o que equivale a uma média de 30 alterações por dia. A entidade não possui dados sobre as mudanças de sobrenome. Esses números demonstram a importância e a necessidade de uma legislação que facilite a mudança de nome, atendendo às demandas da sociedade.
Além de simplificar o processo de mudança de pronome, a nova lei também permite a modificação de sobrenomes, desde que o solicitante comprove ter relação direta com o sobrenome desejado. Isso inclui a possibilidade de adotar o sobrenome do padrasto, madrasta, companheiro ou companheira com união estável registrada, ou de algum antepassado. O cônjuge até mesmo pode reaver o sobrenome de solteiro, mantendo-se casado. Essa flexibilidade reflete a diversidade das relações familiares e reconhece que o vínculo afetivo muitas vezes é mais significativo do que o vínculo biológico.
É importante ressaltar que a mudança de nome não prejudica o Estado ou outras pessoas. Ela é uma questão estritamente pessoal, que diz respeito à individualidade e à autodeterminação de cada indivíduo. A nova legislação, ao permitir que as mudanças sejam feitas diretamente nos cartórios, evita a sobrecarga do sistema judiciário e garante que as demandas sejam resolvidas de forma transparente, rápida e acessível.
A Lei 14.382, que facilita a mudança de nome, surgiu de uma medida provisória enviada pelo governo Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional em dezembro de 2021, estabelecendo a modernização e integração eletrônica dos cartórios (MP 1.085). A mudança de nomes não estava inicialmente prevista, mas entidades como a Arpen Brasil buscaram o Congresso para corrigir essa lacuna. A emenda apresentada pelo senador Telmário Mota (Pros-RR) foi aprovada sem oposição. Essa iniciativa demonstra a importância de um diálogo constante entre a sociedade civil e os legisladores, para que as leis possam acompanhar as mudanças e as necessidades da população.
A mudança de nome é um direito fundamental que afeta diretamente a identidade e a dignidade de cada indivíduo. A nova lei federal representa um avanço significativo na garantia desse direito, tornando o processo mais acessível e respeitando a autonomia das pessoas. Francisco Conte Ficho, ao finalmente encontrar sua identidade refletida em seu nome, encerrou um pesadelo que o acompanhou desde a infância. Sua história é um lembrete poderoso de que a identidade é um direito inalienável, que deve ser protegido e valorizado.
Alisson Santos, advogado e cofundador da Forum Hub