Nomeação de discípulo de Olavo de Carvalho à Funarte revela retrocesso e extremismo obscurantista

Nomeação de discípulo de Olavo de Carvalho à Funarte revela retrocesso e extremismo obscurantista

por Vanessa Martins de Souza

No último dia 2, foi nomeado pelo Governo Bolsonaro o novo presidente da Funarte (Fundação Nacional das Artes)a, o maestro Dante Mantovani, 35 anos, especialista em Filosofia Política e Jurídica e Mestre em Linguística. Em um primeiro momento, o currículo parece atraente, adequado a quem passa ocupar um cargo relacionado às artes e à cultura. Porém, a primeira impressão modifica-se radicalmente quando se toma conhecimento de algumas declarações do sujeito, bastante reveladoras de um pensamento obtuso e obscurantista, até, capaz de chocar aos desavisados. Afinal, ele é discípulo do filósofo autodidata e “guru” do Governo Bolsonaro, Olavo de Carvalho, que o indicou ao cargo, naturalmente.

Entre suas declarações polêmicas, que podem ser encontradas em seu canal do Youtube, afirma que “o rock ativa as drogas, que ativam o sexo livre, que ativa a indústria do aborto, que ativa o satanismo”. O discurso, no mínimo, “exótico”, do novo presidente da Funarte não pára por aí, efetuando associações entre a Escola de Frankfurt (de teóricos da comunicação) com pensadores como Adorno, também um teórico da comunicação e, pasmem, a banda de rock dos Beatles. Nas redes sociais, a declaração tornou-se motivo de chacotas até, mesmo, entre partidários da direita menos conservadora.

Obscurantismo

Se sua linha de pensamento parasse por aí, já traria motivos de espanto o suficiente. Contudo, o maestro vai além, beirando o inacreditável. Adepto de teorias da conspiração, afirma que soviéticos estiveram infiltrados na CIA com o objetivo de destruir a moral burguesa da família norte-americana. O surgimento do cantor de rock Elvis Presley seria um exemplo dessa degradação moral “patrocinada” pelos soviéticos e embalada por sexo, drogas e rock´n roll à época. A quem acha que o quadro não poderia piorar, Mantovani também é terraplanista, ou seja, é adepto de uma teoria da conspiração muito disseminada na internet, de que o formato da Terra, sim, o planeta onde habitamos, não seria esférico, levemente achatado nos pólos, mas, plano. Essa hipótese, absolutamente infundada, naturalmente, deve ter recebido forte influência das elucubrações de Olavo de Carvalho, que, volta e meia, afirma em suas redes sociais que não está convencido de que nosso planeta teria formato esférico.

O “guru” da direita conservadora

Bem, tudo o que parte do filósofo Olavo de Carvalho é bastante controverso. Filósofo autodidata, rejeitado pelo mundo acadêmico por nunca ter estudado formalmente, tem causado polêmica desde que ganhou popularidade nas redes sociais, lá por volta de 2013/2014, quando arregimentou uma horda de seguidores e alunos, a maioria jovens, conhecidos como “olavetes”. O termo ‘olavete’ parece bem apropriado quando se constata que Olavo revela-se muito mais do que um professor de Filosofia, de guerra político-ideológica e afins, mas, vai além: tem se consolidado como um verdadeiro guru de parte da ala conservadora da direita. Não consideraria um exagero dizer que Olavo de Carvalho fundou uma espécie de “seita” de adeptos que se dedicam ao culto à personalidade do próprio “professor/guru” porque o que se percebe nesse gueto virtual é a aceitação inquestionável de suas ideias, além de um comportamento bastante fanático e intolerante a colocações divergentes.

Olavo também esmera-se em instigar seus alunos/discípulos a atacar barbaramente a todo e qualquer opositor de suas ideias, partindo para ataques de ordem pessoal e até a xingamentos e palavrões. O debate impessoal e democrático, com espaço livre e civilizado para o contraditório, não existe por lá. Aliás, o filósofo é conhecido como um grande amante do uso dos palavrões em seu vocabulário cotidiano: a cada dez palavras, sai um palavrão. Seus discípulos vibram, acham lindo e o imitam.

Se já era preocupante o fato de Olavo de Carvalho ser considerado o guru de Bolsonaro e seus filhos, a uma certa distância, isso se torna mais preocupante ainda quando passa a influenciar diretamente no governo, a partir da indicação de nomes a cargos importantes, a exemplo de Mantovani e de outros, como o dramaturgo, diretor e professor de Artes Cênicas, Roberto Alvim, nomeado Secretário da Cultura.

Extremismo ideológico

A pretexto de combater a hegemonia ideológica de esquerda no campo das artes, adota-se métodos bastante radicais a partir da indicação de nomes como o de Mantovani. É certo que grande parte da direita encontrava-se indignada e muito intolerante, e com razão, a determinados caminhos adotados nas artes pelo poder público, a exemplo de patrocínios de peças teatrais e expressões artísticas consideradas obscenas demais, ferindo a moralidade de uma grande parcela da sociedade brasileira. Mas, daí a partir-se para o outro extremo, adotando-se um moralismo estapafúrdio, sem bases na realidade, ancorado em teorias da conspiração e a um obscurantismo científico, é de matar de desgosto os dotados de um mínimo de bom senso e de apreço por verdades científicas inquestionáveis.

Ideologização da cultura

É verdadeiramente preocupante que uma pessoa do naipe de um Mantovani tenha alcançado um cargo nos altos escalões do governo, comandando a Funarte. A cultura não poderia estar sendo ideologizada, nem à esquerda nem a uma suposta direita, que de direita parece não ter nada, afinal, ser de direita não é compactuar com teorias da conspiração esdrúxulas, tampouco, adotar o obscurantismo científico ou uma moral “cristã” desatualizada, fora de contexto, onde crenças religiosas fundamentalistas e retrógradas interpõem-se na formulação de uma interpretação da realidade que deveria ser honesta. Em resumo, é muito lamentável que o direcionamento da cultura e das artes no país esteja sendo conduzido a esse caminho de retrocesso, ao invés de expandir seus horizontes por vias livres e democráticas. Afinal, arte sem liberdade não é arte, é apenas panfleto ideológico. E doutrinação, de esquerda ou de direita, é mera forma de aparelhamento do Estado a serviço de uma causa política. Tudo indica que morreremos e não veremos um equilíbrio no balançar desse pêndulo ideológico, que vai de um extremo ao outro.

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