Talvez, a afirmação mais desastrosa que um ministro do STF já tenha dito ocorreu, nesta quinta-feira (13/07), por irresponsabilidade do ministro Luís Roberto Barroso. O magistrado, no congresso da UNE – União Nacional dos Estudantes, em Brasília, disse: “nós derrotamos a censura, nós derrotamos a ditadura, nós derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas”. A fala, proferida em palanque por um magistrado de dedo em riste e que discursava ao lado do ministro da Justiça, Flávio Dino, repercutiu de forma bombástica nas redes sociais, deixando as hostes bolsonaristas profundamente revoltadas.
Pedido de impeachment
Tanto que já há uma movimentação de deputados da oposição, capitaneados por Nikolas Ferreira, para protocolar um pedido de impeachment de Barroso. De acordo com o deputado federal do PL, Nikolas Ferreira, Barroso teria cometido crime de exercício de atividade política. Muito provavelmente, o pedido de impeachment não deverá prosperar, a começar pela falta de iniciativa dos senadores, pois, cabe unicamente ao Senado Federal abrir processo desta natureza contra membros do Supremo Tribunal Federal.
Recado de Pacheco
Mas, apesar de uma muito provável repercussão inócua a nível formal, a afirmação de Barroso não passou incólume a avaliação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. De maneira surpreendente e, possivelmente, inédita a um presidente do Senado, fez-se críticas duras a um poderoso membro do Poder Judiciário. O parlamentar repreendeu a postura de Barroso ao falar com a imprensa. Pacheco classificou a afirmação do magistrado como “inoportuna, inadequada e infeliz”. O presidente do Senado deve ter sido muito pressionado para dar uma declaração como essa, naturalmente, mas, o importante é que o fez. E, ainda, exigiu de Barroso uma retratação. O magistrado, em nota que saiu somente depois do “pito” que levou do presidente do Senado, disse que não quis ofender os eleitores bolsonaristas, e que respeita conservadores, liberais e progressistas. Destacou que, apenas, referia-se aos extremistas dos atos de 8 de janeiro.
“Perdeu, mané”
Contudo, a justificativa não foi nada convincente. Em especial, quando se considera todo o contexto de atuação do ministro, aquele que gritou “perdeu, mané” a um bolsonarista que o seguia numa rua em Nova York. Em resumo, um desastre, um constrangimento total mais esse “ato falho” de Barroso no Congresso da UNE. Aliás, seu comparecimento a um evento do movimento estudantil mais atuante no país, a UNE, também, revela-se constrangedor e descabido a um magistrado. A UNE, é de conhecimento geral, trata-se de um movimento integralmente de esquerda. Pra piorar, o congresso ainda contou com a presença de lideranças do governo Lula, a exemplo do ministro Flávio Dino. No mínimo, não é de bom tom a presença de um magistrado em eventos de natureza político-ideológica. E ainda do lado de membros do governo. A imparcialidade do ministro passou longe com essa presença ao evento. Não bastasse, ao discursar a estudantes, Barroso perdeu a sobriedade esperada a um magistrado demonstrando a empolgação típica de um militante. Deve ter sentido nostalgia dos tempos em que militou no movimento estudantil de esquerda, fato que nunca escondeu em entrevistas. Talvez, tenha se excedido ao tentar cativar a plateia, parte dela hostil ao magistrado, que o vaiava por supostamente ter se posicionado contra o piso da enfermagem e colaborado para o impeachment de Dilma Rousseff.
Quebra de decoro
Porém, não há justificativas para tanta falta de decoro. Um magistrado, publicamente, não deve expressar-se revelando preferências ou opiniões políticas ou ideológicas. A ética e a imparcialidade devida a um magistrado recomendam que, apenas, pronuncie-se nos autos de processos. Mas, no Brasil, esse rigor e decoro entre os ministros do STF já são esquecidos há tempos… A impressão é que os ministros do STF sentem-se verdadeiramente como sendo os grandes atores políticos do cenário nacional, afinal, detêm muito poder e a possibilidade de perda de seus cargos é praticamente impossível. O grande entrave no Senado para um eventual impeachment é com base na ideia de que não se pode mexer com os ministros do STF , pois, são eles que investigam os parlamentares. Como muitos senadores devem ter muito a temer, o consenso é o de que é melhor nem mexer nesse vespeiro…
“Crime de responsabilidade“
De qualquer maneira, Barroso contribuiu, mais uma vez, para acirrar ainda mais as desconfianças dos eleitores bolsonaristas quanto a imparcialidade do STF/TSE em relação a polarização política e as eleições. Para os bolsonaristas, a fala do magistrado só contribuiu para corroborar as críticas ao STF de que estaria sempre em conluio para agir e julgar contra bolsonaristas. Num momento, como disse Rodrigo Pacheco, em que se tenta pacificar o país, realmente, Barroso foi desastroso. Para o general Mourão, Barroso teria cometido crime de responsabilidade ao fazer uma afirmação de natureza política na UNE. Quando até o general Mourão – quase sempre bastante razoável e pacificador em suas declarações políticas – expressa indignação, é por que se trata realmente de algo grave.
Imagem do STF
O magistrado, no final das contas, não prejudicou apenas sua imagem, mas, a do STF como instituição. Pois, ao eleitor bolsonarista, os membros do STF estariam agindo de forma homogênea para deter o avanço do bolsonarismo, não faltando críticas semelhantes a nenhum dos membros. Mesmo os ministros indicados por Bolsonaro já receberam críticas de bolsonaristas mais atentos a alguns votos desfavoráveis aos objetivos do bolsonarismo.
Ausência de sobriedade
Tudo muito lamentável verificar que no país não se pode contar com uma Suprema Corte discreta, sóbria e ética, que permaneça distante dos holofotes para além dos autos e abstenha-se de comentários e opiniões de natureza político-ideológica. Essa postura de alguns magistrados envergonha o Poder Judiciário e gera insegurança jurídica. Vejamos: talvez, tenha sido inédito, na História do país, um presidente do Senado precisar repreender publicamente a postura de um membro da mais alta corte. Com ou sem pedido de impeachment, Barroso só contribuiu por jogar mais lenha na fogueira da polarização política e, mais uma vez, levar a imagem do STF a chafurdar na lama.