“Quando o Estado avança sobre interesses e liberdades individuais, dificilmente, ele recua. Não deixe que o pânico nos domine. Nossa liberdade não tem preço, ela vale mais que a nossa própria vida”, disse o presidente da República, Jair Bolsonaro, no sábado (12/12). O discurso foi feito em evento de formatura e entrega de espadas a guardas-marinha da turma de 2020 da Escola Naval, no Rio de Janeiro. O argumento das liberdades individuais usado pelo presidente é uma das premissas do conservadorismo e da direita liberal, mas, Bolsonaro estava referindo-se especialmente à pandemia e suas medidas sanitárias de restrição à liberdade de ir e vir dos cidadãos.
Distorção de contexto
Num contexto sem pandemias, a defesa das liberdades individuais e de um Estado mínimo que não interfira na vida privada dos cidadãos é um argumento altamente contundente e defensável. Afinal, entre os pilares da direita conservadora ou liberal está justamente a supremacia da individualidade do cidadão sobre o coletivismo preconizado pela ideologia de esquerda. Contudo, usar este pilar do direitismo num contexto de pandemia, onde a saúde da população e vidas humanas estão em jogo revela-se absolutamente irresponsável, para dizer o mínimo. Não há quem possa lutar contra ideologia alguma se não contar com vida e saúde, eis um fato incontestável. A liberdade valeria mais do que a vida? A frase pode ser bonita, bastante motivacional quando se trata de animar soldados prestes a entrarem em campo de batalha. A ideia de morrer pela pátria em defesa da liberdade, aliás, consta na letra do nosso lindo Hino da Independência. “Brava gente, brasileira; longe, vá, temor servil; ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil…”.
Revolta da direita conservadora
Porém, o povo braseiro não é soldado, não é militar, e nem todos partilham do mesmo interesse de combate a uma ideologia. Mesmo com tantos na direita se sentindo assim, verdadeiros “cruzados” em campo de batalha quando se trata de bradar nas redes sociais contra a hegemonia esquerdista/globalista no mundo ocidental. Frases de efeito, infelizmente, comovem a muitos e não são poucos os que concordam com o presidente nesta questão. A revolta da direita conservadora contra as medidas sanitárias para conter o avanço da Covid-19 é notória nas redes sociais. Verifica-se centenas de comentários, todos os dias, de pessoas que dizem, com orgulho, recusarem-se a usar máscara quando não há cobrança de multa e a evitar aglomerações e confraternizações sociais e familiares porque “não irão ceder ao avanço da tirania comunista representada pelo poder público a baixar decretos e mais decretos para restringir a liberdade de ir e vir dos cidadãos e a atividade comercial”. Essas pessoas ainda dizem não acreditar que o poder público esteja preocupado com a saúde do povo, mas, sim, unicamente em restringir a liberdade dos cidadãos e levar à falência os pequenos negócios, deixando apenas os grandes a dominarem o mercado. Prefeitos e governadores,em sua maioria, teriam aderido ao plano comunista/globalista que estaria sendo executado a nível mundial, alegam.
Liberdade com responsabilidade
A liberdade realmente é um valor fundamental. Entretanto, vale refletir sobre até que ponto liberdade é um valor absoluto e até que ponto é um valor relativo. Acredito que um pouco de experiência de vida e observação da realidade logo nos traz a constatação de que não há liberdade absoluta em nenhuma sociedade já presente no mundo, no passado ou na atualidade. O mundo é um ambiente hiper populoso, com cerca de 8 bilhões de habitantes. O que seria de todas as nações, de todas as sociedades, se cada indivíduo contasse com liberdade absoluta para fazer o que bem entendesse, no momento e do jeito que lhe desse na telha? Um caos muito pior do que o atual. Uma ordenação mínima, quando se trata de gente madura e responsável, é necessária para a vida em coletividade. Não vivemos isolados, vivemos em uma coletividade em que se estabelece uma relação de interdependência entre indivíduos, grupos, instituições públicas e privadas. Para a vida em sociedade fluir de forma minimamente razoável e civilizada são necessárias normas, regras e leis que restrinjam as liberdades individuais em favor do bem coletivo. Em resumo: a liberdade de um deve ir até o ponto em que não fira a liberdade e bem-estar do outro.
Só há liberdade relativa
Acredito que a defesa da liberdade acima de tudo, como se esta contasse com um valor absoluto, irrestrito, é bastante delirante. Se quero dirigir em alta velocidade, embriagado e ainda sem cinto de segurança no meu veículo estou exercendo minha liberdade, não? Afinal, o carro é meu e faço o que bem entendo ao dirigi-lo. Há motoristas que pensam dessa forma. Mas, esquecem que toda liberdade tem seu preço. E que não há liberdade sem responsabilidade. O preço a pagar pode ser perder a própria vida, ou, pior, tirar a vida de outros motoristas, passageiros e pedestres que não têm nada a ver com a decisão de um motorista de exercer sua liberdade irrestrita. Creio que não é difícil compreender, se houver boa vontade, que não existe liberdade absoluta na vida em sociedade. Em muitas situações, os interesses da coletividade sobrepõem-se aos interesses individuais. Se opto por não seguir as medidas sanitárias contra o vírus ou não tomar vacina, não se trata somente de exercer o direito de correr o risco de contrair Covid-19 e até de optar por morrer desta forma. Pois, em se tratado de uma doença altamente transmissível, essa pessoa está colocando outras vidas em risco, ferindo o direito dos demais de se manterem saudáveis ou vivos. Toda liberdade implica deveres, também. O dever de não prejudicar o próximo. Acredito que até uma criança pequena consegue entender essa ética de convivência social…
Princípios éticos fundamentais
Mas, claro, como sempre, permanece uma horda de revoltados e inconformados. Confundem princípios éticos fundamentais para a vida em sociedade com comunismo e ideologia política. A estes, resta a vida fora da civilização. Talvez, encontrem a felicidade na vida no campo, nas matas e florestas (cada vez mais ralas), regredindo a estágios primitivos onde a sobrevivência dependia da lei do mais forte, a “lei da selva”, literalmente. Todavia, que não se esqueçam de que terão de abrir mão de bens de consumo produzidos pela coletividade cheia de regras e restrições, a exemplo de energia elétrica, internet, água potável e alimentos comercializados em larga escala. Aprender a criar galinhas, a plantar e colher alimentos será muito necessário. Bem como tentar exercer suas liberdades individuais e defender seu território, sua propriedade privada, diante de cobras, jacarés, onças e mosquitos. É a lei do mais forte na selva, que também tem sua ética própria, e, na maioria das vezes, não é o “bicho homem” que vence.