por Noelcir Bello
Nossa reportagem conseguiu encontrar o morador indicado como sendo o pioneiro da região central de Pinhais.
João Alves havia sido indicado por diversos dos nossos entrevistados anteriores e, nesta semana, fomos recebidos por seu João. Ele nasceu em uma propriedade na Rodovia João Leopoldo Jacomel, há 82 anos. Pai de oito filhos, atualmente mora na Rua Saara e é muito conhecido pelos moradores da região. Nosso entrevistado nos contou histórias do início de Pinhais e nos garantiu que conheceu o Governador Manuel Ribas, do qual seu pai foi funcionário. Seu João ajudou a construir a primeira igreja do município, onde se casou Humberto Scarpa, que almoçou por muitas vezes na casa de seu João.
Sua família era proprietária de quase toda a região
No começo, grande parte do Pineville (Esplanada e Palmital) pertencia a sua família e como ainda não existia a Rodovia João Leopoldo Jacomel, a propriedade de seu pai ficava dividida por uma cerca de 12 fios de arame. O acesso era todo por trilhas em meio as matas e alagados. João nos contou que seu pai voltava do trabalho, quase sempre bêbado, e onde hoje fica a Secretaria de Meio Ambiente, havia uma porteira que fechava às 19 horas e para poder passar ele dava um tiro para abrir os cadeados.
Cansado de ter que comprar novos cadeados, Manuel Ribas prometeu prender o pai de seu João se ele continuasse a estragá-los. Foi então que por medo de ir parar na Ilha das Cobras, onde ficava a prisão da época, seu Osório Alves resolveu vender os quatro alqueires de terra no Esplanada por cinquenta merréis. O comprador foi o falecido Weiss.
Nesta época, por ser o jardineiro do Governador Manuel Ribas, na sede do Governo, o pai do seu João, plantou todas as árvores e, mais tarde, a família Greca nomeou uma praça com seu nome, a Praça Osório.
Seu João lembra que muitas vezes saíam de casa às 4 horas para irem a pé até a sede do governo para trabalhar. “Íamos pelas margens da trilha até Curitiba. Haviam muitas bicas de água pelo caminho, onde tomávamos água fresca e pura. Me orgulho de hoje passar por lá e encontrar todas aquelas árvores que ajudei meu pai a plantar”, lembrou seu João.
Muitas histórias fazem parte de sua vida
Uma passagem marcante na infância de seu João foi ter feito de carroça o transporte da imagem de Nossa Senhora da Boa Esperança, para entregar na casa de seu Weiss. A filha de seu Weiss tinha uma doença e fez promessa de construir uma igreja, caso recebesse a cura e por isso a igreja foi construída. Seu João e seu irmão fizeram o poço de água da Casa Paroquial e também ajudaram a rebocar as paredes da igreja, juntamente com seu pai que era pedreiro.
Outro fato histórico vivido por seu João foi a inauguração da fábrica de cimento, próximo da atual prefeitura. Na festa de inauguração, a Cervejaria Brahma trouxe muita cerveja e todos os funcionários e convidados levaram cerveja para casa após a festa. “Só nós fizemos três viagens de carroça. Enchemos o paiol e meu pai quase morreu de tanto beber”, mencionou.
Naquela época, os tijolos e as telhas eram feitas pelo Seu Weiss, no entanto, era muito perigoso atravessar até a divisa de Piraquara e buscar o barro, já que um fazendeiro, seu Tomazinho criou muitos porcos na região e os deixou abandonados. Quem entrasse lá eles atacavam para comer. Quando resolveram fazer o campo de aviação no Guarituba, vieram dois aviões teco-teco, de asas duplas para matar os porcos a tiros, porém, na primeira tentativa de pouso, o avião afundou na pista, por conta do terreno alagado, e, por isso, mudaram a pista para São José dos Pinhais, tornando-se depois Aeroporto Internacional.
A região próxima ao Rio Palmital também era de sua família, porém nem seu pai e nem os filhos quiseram pagar os impostos do local, mas até hoje tem guardado os documentos de proprietário. Por conta do abandono, uma mulher vendeu a posse para outra pessoa e este acabou vendendo para esta empresa que regularizou toda a área, loteou e vendeu para os atuais moradores. A antiga Planta Dona Guiomar, seus tios venderam para o falecido Tessari e a Planta Palmital para o seu Fadel Kalluf, mas quem vendeu para os novos moradores foi seu João, que trabalhou para os dois proprietários.
O pai de seu João trabalhou para a Olaria do Scarpa, onde ganhava cinco Réis por dia, porém os funcionários não recebiam em dinheiro, apenas em papel para trocar por mercadorias no armazém do João Cebola, que era o padrinho do João. Neste armazém tinha roupas, calçados, comida e coisas pra casa.
Nosso entrevistado foi quem instalou a energia elétrica na vila, tendo cortado as árvores, furado e as transformado em postes para ligar a luz do bairro. Seu João foi jóquei e ganhou muitas carreiras na raia do Esplanada e do Capão da Imbuia, que na época só tinha um morador, o Mané Pinheiro.
O progresso demorou a chegar
Só após muitos anos os grandes mercados e moinhos chegaram, mas seu João garante que as grandes mudanças aconteceram apenas nos últimos anos. “Passei por muita coisa no início. Não havia quase nada. Lembro perfeitamente de um tufão de vento, que aconteceu há uns 60 anos, e levou até o telhado da nossa casa. Depois teve a neve dos anos 70, inclusive guardo até hoje uma blusa que comprei para encarar o frio. Também tenho guardado algumas telhas que meu pai fabricava na olaria do Weiss”, disse.
Para João, é uma pena que as pessoas não valorizem mais as coisas simples, tais como a educação. “Na minha época não existiam brinquedos, nem bola existia e só os filhos dos ricos podiam estudar, pois as escolas eram pagas. Os hospitais das Clínicas, Evangélico, Cajuru foram construídos recentemente, só existia o Hospital São Roque, em Piraquara. Sempre que a gente ficava doente, a mãe nos levava por uma pequena trilha até o Atuba, onde o acesso se dava a pé ou a cavalo. Tudo era difícil. Hoje em dia, com tanta tecnologia, as pessoas perderam o respeito aos valores sociais. Eu nunca consumi bebidas alcoólicas e nem cigarros, por isso sou o único morador da época que está vivo, apesar das dores nas pernas que sinto”, finalizou João.