Há um embate ideológico em torno da discussão sobre a taxa de juros
Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

Há um embate ideológico em torno da discussão sobre a taxa de juros

A decisão do Copom – Comitê de Política Monetária do Banco Central (Bacen) de interromper o ciclo de cortes na taxa básica de juros, a Selic, mantendo-a em 10,50%, tem deixado o presidente Lula indignado. Há mais de uma semana que o petista tem criticado o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, indicado pelo então presidente Bolsonaro e que cumpre mandato de quatro anos a ser finalizado em 31 de dezembro próximo.

 

“Aliado do bolsonarismo“

Muito embora, Campos Neto tenha afirmado que se tratou de uma decisão puramente técnica para conter a inflação, Lula não tem esse mesmo entendimento. Para o petista, Campos Neto estaria adotando uma posição ideológica e seria um aliado do bolsonarismo. O presidente da República inclusive reclamou que vai fazer dois anos que tem de contar com um presidente do Banco Central advindo do governo Bolsonaro. De acordo com a avaliação de Lula, não há justificativas técnicas para não continuar baixando os juros, uma vez que a inflação anual está controlada, em torno de 4%.

 

“Sabotagem ao país”

A presidente Nacional do PT, Gleisi Hoffmann, foi mais longe e acusou Campos Neto de estar sabotando a economia do país. Referiu-se a menor taxa de desemprego alcançada recentemente, nos últimos dez anos, no trimestre encerrado em maio passado: 7,1%. O que representa 3 milhões de trabalhadores a mais inseridos no mercado de trabalho. Gleisi acrescentou que o desemprego poderia ainda ser menor se as taxas de juros baixassem, permitindo mais crescimento da economia, mais investimentos.

 

Segunda maior taxa de juros do mundo

A decisão de interromper o ciclo de baixas nos juros, que vinha desde o segundo semestre de 2023, mantém o país no patamar da segunda maior taxa de juros do mundo. Juros baixos atraem mais investimentos, ajudam a economia a crescer, a gerar emprego e renda, enfim, exercem influência expressiva no desenvolvimento econômico. Não há como o país crescer a contento com taxas de juros tão altas.

 

Ajuste fiscal

Contudo, baixar os juros não faz milagres sozinho. O governo precisa fazer sua lição de casa em relação ao ajuste fiscal. Cortar gastos, parar de gastar mais do que arrecada é o básico que um governo deve fazer. E não precisa cortar do pobre, tirar do orçamento os gastos com benefícios sociais, ou do salário mínimo. Tem muito o que cortar em outras fontes, a exemplo de mordomias, cargos desnecessários de alto escalão, enxugar a máquina administrativa, enfim, seria um bom começo.

 

Constrangimento político

Lula acusa Campos Neto de ter um lado político e de estar agindo ideologicamente. O presidente do Banco Central, notoriamente, sequer, disfarça que é bolsonarista. Recentemente, foi visto em jantar e evento com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. E disse ao governador que gostaria de ser ministro num eventual governo de Tarcísio, caso vença as eleições presidenciais de 2026. Nesse ponto, é constrangedor para Campos Neto, que deveria adotar, no mínimo, uma postura mais discreta, republicana, enquanto está a frente do Banco Central.

 

Decisão de colegiado

Porém, é temerário acusar Campos Neto de agir ideologicamente na presidência do Banco. Não se pode esquecer que as periódicas reuniões do Copom são realizadas por um colegiado, ou seja, as decisões que saem dessas reuniões, a exemplo da taxa de juros, não partem de Campos Neto, mas, de um grupo de integrantes do comitê.

 

Autonomia do Bacen

O presidente Lula tem se mostrado muito incomodado, na verdade, é com a autonomia do Banco Central conquistada em fevereiro de 2021, durante o Governo Bolsonaro, mediante lei aprovada no Congresso Nacional. Tem dito que, quando indicar um nome para substituir Campos Neto, ao término do mandato, a “filosofia” do Banco Central vai mudar. Mas esta declaração é bastante temerária, podendo levar a mal-entendidos. Com isso, o petista teria cometido um “ato falho” ao revelar que vai indicar um “pau mandado” ideológico para o Banco Central? Ou, apenas, quer indicar um nome alinhado às demandas do governo e da economia do país, mas garantindo-lhe a autonomia assegurada pela legislação?

 

Aprovação no Senado

O nome mais citado é o de Gabriel Galipolo, “ex-número dois” do ministro da Fazenda, Haddad, e que ocupa a Diretoria de Política Monetária do Banco Central por indicação do atual governo. A indicação do próximo presidente do Bacen deve passar por aprovação no Senado e Lula já falou que vai escolher um nome que não apresente potencial para entrar na “linha de tiro” da oposição. Para a esquerda, aliados da presidência da República, Campos Neto deveria pedir pra sair, já. Mas o atual presidente do Banco Central disse que fica até o fim do mandato.

 

Disputa ideológica

A autonomia do Banco Central é defendida pelos entusiastas da prevalência das leis de mercado (economia liberal) contra o intervencionismo do Estado na economia. Não deixa de ser um alinhamento ideológico, também, defender a prevalência das leis de mercado em contraposição a intervenção estatal. O que Campos Neto defende como “puramente técnico”, também, tem o viés ideológico do liberalismo econômico. Em resumo, são duas posições que representam lados opostos no espectro ideológico. Mais uma vez, temos uma questão importante para o país que se encontra numa disputa de forças própria da atual polarização política.

 

Falta de coerência

Entretanto, é compreensível a indignação do presidente Lula por ter de governar com um presidente do Banco Central indicado pelo governo anterior. Não há o mínimo sentido para a manutenção dessa condição atual. Uma mudança demandaria alteração na legislação via aprovação pelo Congresso Nacional a fim de que, ao menos, o mandato de quatro anos do presidente do Banco Central coincida com o mandato do presidente da República. Mesmo que resguardada a autonomia do Banco Central, seria muito mais coerente que o presidente da República pudesse indicar o presidente da maior autoridade monetária do país desde o início de seu mandato. Se fosse Bolsonaro o presidente da República, iria gostar de “aturar” um presidente do Banco Central indicado por Lula?

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