por Jacir J. Venturi
Pais e professores são como duas asas de um pássaro: se não tiverem a mesma cadência, não haverá uma boa direção para o nosso educando. Família e escola devem ser vasos comunicantes, suprindo-se mutuamente. Pesquisa patrocinada pela Unicef mostra que, para 93% dos jovens brasileiros, a escola e a família são as instituições mais importantes da sociedade. A escola tem um papel primordial na melhoria do sistema educacional brasileiro, mas uma sustentabilidade consistente em qualidade advirá somente com a inserção dos pais no processo de aprendizagem. Sim, a educação brasileira será salva não apenas pelos governantes, ou pelos professores, mas também por uma mudança cultural e de postura dos pais.
Há pais que acompanham o rendimento escolar do filho somente pelo boletim no fim do bimestre. Todavia, o que faziam e fazem os sul-coreanos? Antes de dormir, um dos pais se achega: “Filho, vamos abrir o livro e recordar o que você aprendeu na escola hoje?” Tudo de bom acontece nesse gesto: valorização do estudo, fixação do aprendizado do filho e crescimento intelectual dos pais. Sem falar da interação e da ternura que o momento propicia. E não menos importante: esse encontro amiúde permite aos pais um julgamento honesto da qualidade de ensino da escola.
Em recente visita à Finlândia, uma guia nos dizia que são comuns os protestos em prol da melhoria do ensino. “Mas como, se os finlandeses detêm os primeiros lugares em desempenho nos testes internacionais?”, pergunto, surpreso. “Sim, o resultado é fruto dessa cobrança”, faz-se lacônica a guia. É um círculo virtuoso: a população é bem instruída, colaborativa e cobra dos governantes uma boa educação para os filhos. O raciocínio é elementar: se deixarem de combater as falhas, perderão a excelência do ensino.
No Brasil, todavia, é recorrente e redundante: os nossos indicadores educacionais estão entre os piores do mundo. Com base em dados do IBGE, cerca de 1,7 milhão de jovens entre 15 e 17 anos (16% do total) abandonam a escola por ano, sendo o principal motivo, para 40% deles, a falta de vontade para estudar e o fato de a escola ser “chata”.
Qual o contexto desses alunos? Volto à analogia inicial: um bom voo para o nosso educando necessita de duas asas. Pais que não estimulam os estudos de seu filho representam uma asa ferida. Semelhantemente, asa quebrada é a escola com professores desmotivados ou que repassam conteúdos desconectados com a realidade dos alunos. Ademais, a escola é o espaço não só da aprendizagem, mas também da interação social, manifestação da autoestima, do enlevo e da alegria.
Permita-me um depoimento pessoal: recém-formado em Matemática, fui lecionar numa escola pública da periferia de Curitiba. Deparei-me com o primeiro grande paradoxo: a faculdade havia me ensinado muito de Matemática, mas nada sobre como ensinar Matemática naquela comunidade. Toda escola é uma síntese do meio em que está inserida e, naquele caso, o escoadouro de todos os problemas sociais: violência, furtos, vandalismo, gravidez, DSTs, negligência afetiva e carências de todo o tipo, falta de alimento e higiene, ausência de mesa para realizar as tarefas escolares em casa etc.
Havia sentido ensinar o que era apótema, eneágono? A diretora, proativa e sensível aos anseios, permitiu que os professores negligenciassem parte do conteúdo pedagógico. A contrapartida foi um ensino focado no cotidiano do aluno, por meio de um trabalho interdisciplinar e contextualizado. Paulatinamente, colhíamos alunos mais interessados, participativos e com autoestima. No ano seguinte, o segundo grande paradoxo: não houve continuidade, pois, por iniciativa do Estado, a equipe foi desfeita, pela não efetivação de alguns docentes ou para atender transferências a pedido de políticos.
Apropriadas são as palavras do pedagogo Pedro Demo: “aprender é como parto: é uma coisa linda, mas dói”. Retirar uma comunidade do atraso requer gestores e professores entusiastas, com visão holística e que vivenciem a realidade do aluno. Nenhum país atingiu um bom nível de ensino sem que, em algum momento de sua história, não houvesse uma opção preferencial pela valorização do professor: salário justo, na proporção do mérito e desempenho do docente, é um requisito relevante, mas tão importante quanto é o reconhecimento e o prestígio dessa nobilíssima profissão por parte da sociedade, como o fazem todas as nações com bom desempenho educacional. E o bom professor há de entender que lhe cabe a iniciativa do diálogo, da interação com a comunidade na qual a escola está inserida. Alterar o statu quo de latência, apatia e falta de iniciativa do entorno da escola requer professores e gestores comprometidos, altruístas e respeitados pelas famílias.
Jacir Venturi
Coordenador da Universidade Positivo, foi professor da UFPR e diretor de escolas.