Eleições municipais, as cidades e as infâncias

Eleições municipais, as cidades e as infâncias

Os 5.570 municípios do Brasil concentram mais de 85% da nossa população. 17% são pessoas de até 12 anos de idade, as 35,5 milhões de crianças. Ao expandirmos para pessoas de 0 a 19 anos, crianças e adolescentes correspondem a 33% da população brasileira, 70,4 milhões de pessoas! As cidades são acolhedoras e garantem direitos plenos para este grupo com políticas públicas participativas, inclusivas e equitativas?

Os impactos das mudanças climáticas, dos eventos extremos e da desigualdade, pobreza e fome, são uma duríssima realidade em todo país e o enfrentamento destes desafios exige o compromisso de candidatos e candidatas a prefeituras e câmaras municipais.

Entre os grupos em situação de maior vulnerabilidade e risco pelas consequências deste contexto e dos processos exploratórios socioambientais, estão as mulheres, crianças e adolescentes, com um perverso recorte racial. São os grupos mais impactados, representando maioria populacional em regiões informais, de urbanização incompleta, submetidos à violência cotidiana.

O Brasil possui um conjunto de leis e marcos regulatórios exemplares no que diz respeito às infâncias: a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Marco Civil Regulatório da Primeira Infância, o Plano Nacional pela Primeira Infância e os mais recentes Planos Municipais pela Primeira Infância.

Vale destacar a força da Rede Nacional Primeira Infância, que reúne centenas de agentes da sociedade civil organizada, bem como das Universidades em seus núcleos de pesquisa, ensino e extensão na graduação e pós-graduação, atuantes com as infâncias e juventudes nas múltiplas temáticas e territorialidades. São notáveis as iniciativas do Instituto de Arquitetos do Brasil com a colaboração da Fundação Van Leer, na atuação pela primeira infância e cidade, tanto quanto os esforços articulados do Núcleo Ciência pela Infância.

Em setembro de 2022, foi lançado o Plano País para a Infância e para a Adolescência – na publicação “Prioridade Absoluta pra os Direitos de Crianças e Adolescentes”, um conjunto de 137 proposições e propostas de políticas públicas, formuladas por meio de processo participativo que articulou organizações, redes e coalizões da sociedade civil.

O Plano é uma contribuição para construção de uma sociedade mais justa, na qual prosperidade, inclusão e sustentação para as múltiplas infâncias e adolescências são prioridade absoluta. Contribui a qualidade do debate eleitoral através da apresentação de um diagnóstico das urgências deste grupo populacional, e indica estratégias e ações possíveis para reversão deste quadro inaceitável.

As 5 metas elaboradas e propostas no Plano País/Agenda 227 para Cidades e Assentamentos Sustentáveis são descritas nos parágrafos a seguir.

1) Assegurar prioridade a crianças, adolescentes e suas famílias no acesso a moradias seguras e saudáveis. Elaborar plano emergencial de diagnóstico e de ação para proteção ou retirada de populações em extrema vulnerabilidade, seja por exposição à violência ou provocada por riscos geológicos, hidrológicos, ambientais e eventos climáticos extremos.

2) Minimizar impactos negativos de obras de infraestrutura e fomentar a construção de espaços seguros e adequados às necessidades de crianças e adolescentes. Garantir a escuta de crianças e a participação social, promovendo atividades educativas e de apropriação pela comunidade do objeto de contrato a ser executado.

3) Garantir o acesso a espaços públicos seguros, com boa qualidade ambiental e adequados à promoção da saúde e do bem-estar de crianças e adolescentes, em contato com a natureza, dando prioridade para os territórios mais vulneráveis e as áreas periféricas das cidades.

4) Garantir o acesso universal e de qualidade ao sistema de transporte público e à mobilidade ativa, segura e especialmente adequada a mulheres, crianças e adolescentes. Modelo centrado nas pessoas, em especial gestantes, crianças pequenas e seus cuidadores, mobilidade urbana segura pelos entornos escolares, tendo as unidades de ensino como centralidades dos territórios.

5) Garantir que as ações voltadas para as cidades sejam realizadas de forma intersetorial articulada e com ampla participação social, com prioridade absoluta para crianças e adolescentes. Incluir nas políticas públicas urbanas estratégias baseadas em saberes ancestrais, resilientes, adaptativos e regenerativos, para o fortalecimento de comunidades e das relações com o ecossistema em que vivem.

No mundo em colapso, as infâncias têm restringida a possibilidade da vivência dos conhecimentos afetivos, de transmissão geracional, aqueles em sintonia com as éticas do cuidar. Identificadas como força da natureza, as infâncias são lançadas ao lugar imaginário daquilo que é selvagem e ameaçador em contraposição ao civilizado, que opera dentro de uma certa ordem prevista. Dentro dessa lógica binária, portanto, a infância fica sem lugar no mundo contemporâneo regido pelo paradigma dominante.

A urgência de transformações eficazes por meio das arquiteturas e dos desenhos urbanos, em áreas de grande vulnerabilidade urbana, social e ambiental, pode ser traduzida na necessidade de incluir a escuta, a participação e o reconhecimento de saberes e capacidades de sujeitos como as crianças e jovens, capazes de contribuir com muita potência aos processos criativos, de planejamento e desenho, desde a escala dos objetos e equipamentos, das ações microterritoriais ao macro território urbano.

Candidatos, candidatas, eleitores e eleitoras, voltarmos nossa atenção a como vivem crianças, jovens e mulheres em nossas cidades, constituir registros, recortes do olhar e do sentir os lugares, expressa um desejo de mudança, como urgência no presente. Sem esse desejo transformado em prática, qual o sentido de nossa existência, de nossos saberes?

Precisamos nos recordar que as crianças são o fundamento de nós mesmos.

Rodrigo Mindlin Loeb, docente em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), especialista em sustentabilidade, e arquitetura e infância

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